Arte e Cultura

ALEGORIAS DO BRASIL: O TRISTE OLHAR DOS INTELECTUAIS SOBRE SEU POVO

"A REDENÇÃO DE CAM" (do espanhol aqui radicado Modesto Brocos, 1895)
A redenção de cam

Esqueçam a “IDEOLOGIA ALEMÔ (K.Marx)! A “IDEOLOGIA BRASILEIRA” está ativa e é bem pior.

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NOTA: Murillo Salles produziu uma série muito interessante para a TV chamada “ALEGORIAS DO BRASIL”. Tomando temas recorrentes entre nós, todos envolvendo “o que somos no sentido de povo e cultura”, colheu depoimentos de intelectuais de alguma forma envolvidos com os temas tratados. Um desses “curtas”, em especial, deixa à mostra o quanto o viver em torno de ideias e categorias, por mais desconectadas que estejam com o que se passa com um povo e uma cultura, continua a ser o prato principal de uma certa intelectualidade.
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Antes de se tornar conhecido e reconhecido como um dos maiores pensadores do séc. XIX, K. Marx escreveu o seu “A IDEOLOGIA ALEMÔ. O uso da palavra “ideologia” aqui implicava o quanto os seguidores de Hegel (B. Bauer e outros) viviam no mundo alienado de ideias totalmente desvinculadas da vida social e desconectadas do seu próprio povo e cultura: IDEOLOGIA, apenas como um conjunto de ideias sem vínculo com a vida, implicando alienação. Tudo estava de “ponta cabeça”. A vida a serviço de ideias, crenças e mistificações e não o contrário: as ideias como o resultado de um esforço enorme para aproximação da vida e do mundo, tentando seu entendimento. É um livro que continua atual e mais interessante do que nunca, especialmente entre nós. Eu, que julgava superada essa tendência dos intelectuais a se exilarem (ou asilarem) em certo grupo de ideias, hoje penso de forma bem diferente. Continuam a olhar o mundo a partir de seu umbigo (ou da sua pobre RAZÃO), achando que suas ideias são determinantes do que se passa em sua época. Olham para o povo e sua cultura como a orbitá-los e não o contrário. Essa tal “ideologia” nada mais é do que uma “organização” em linguagem pomposa dos preconceitos e da alienação de toda uma época. Trata-se de uma tendência universal e extremamente perigosa, como veremos.
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DEPOIS DA CATARSE SENSUAL E HEDONISTA DOS 1500…SATURAÇÃO, TÉDIO E MELANCOLIA?
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Um dos autores mais citados é PAULO PRADO e as palavras que se seguirão são referentes ao que foi apresentado ali de sua obra. Não tenho condições de asseverar a fidelidade da resenha. Ainda não o li, mas aquelas que seriam suas teses foram apresentadas de forma tão articulada que permitem a discussão da apresentação por ela mesma. Os primeiros contatos dos europeus com nossos povos nativos foram seguidos por grande e grata (na maior parte das vezes, aceitemos) interação, inclusive de natureza sexual. O Brasil foi apresentado ao mundo como um paraíso na Terra. Basta a leitura de “OS CANIBAIS” de M. de MONTAIGNE (sobre o que se passava à volta e na baía da Guanabara) para que isso fique óbvio. Segundo o relato da obra de P. Prado, passado o entusiasmo inicial (bastante duradouro) teria se seguido uma espécie de saturação, tédio e melancolia. E então a verdade sobre uma suposta “tristeza brasileira” finalmente teria se imposto, etc. Estou convencido de que essas considerações correspondem a uma “ideologia” (no sentido assinalado) e estão de “ponta cabeça”. A vida por aqui continuou na sua evolução lenta, como sempre se dá (com saltos periódicos) e o povo continuou INDIFERENTE ao que os intelectuais dele pensavam. Os ocidentais, aplicando a opressão mais cruel possível, encarregaram-se de tentar destruir as relações entre as pessoas por aqui. Já os intelectuais, simplesmente abandonaram aquilo que deixara de ser novidade: a sensualidade, a alegria, etc.
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QUE BOM AMBIENTE PODERIA SOBREVIVER À ESCRAVIDÃO?
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 Verdade também é que, com o início da escravidão generalizada e todas as amargas torturas associadas à “guerra do açúcar” que tomou o Atlântico sul no século seguinte (relacionada também à invasão do NE pelos Holandeses), a predominância das reportagens se modificou bastante. Mesmo assim, porém, a afirmação progressiva de uma nova cultura por aqui, a partir da progressiva miscigenação, continuou a acontecer, agora com a predominância do elemento negro em relação ao que era considerado expressão de cultura popular:
“Ali onde se encontraram muitas raças haverá de surgir uma grande cultura” (Nietzsche).
Um simples olhar para a GRÉCIA, situada no limite do encontro entre diversos povos do ocidente, oriente, mediterrâneo e continente africano, deveria ser suficiente para demonstrar a tese. E se há algo que depõe mal em relação às várias gerações de nossos intelectuais do período* (séc XVII ao início do séc. XX) é essa crença absurda em uma possível degeneração dos povos a partir da mistura generalizada de raças. E isso não ficou somente no terreno das sandices teóricas. Sua expressão mais execrável foi o esforço de “embranquecimento” do nosso povo pela “importação” de colonos europeus.
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Que alto preço pagamos até hoje pelo fracasso de nossos intelectuais em produzir teses afirmativas de nosso povo e cultura, contrárias a essa crença absurda! Precisamos esperar pela “Semana de Arte Moderna”, em 1922 e por “Casa Grande e Senzala” (1933) para que o valor de nossa cultura e povo encontrasse sua primeira afirmação através da pena de grandes intelectuais organicamente ligados ao nosso povo**. E foi só então, quando paramos de nos submeter aos europeus, que o Brasil ganhou projeção cultural em todo o mundo. Mas é sempre bom assinalar que essa nova produção intelectual (M. de Andrade, M. Bandeira, G. Freire e outros) se tratou de um RECONHECIMENTO e não de uma INVENÇÃO dos intelectuais. Afinal, a gente do povo continuava a seguir o seu caminho sem dar a mínima para o que seus detratores (pela pena ou paleta) continuavam a produzir contra seu próprio povo.
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BILAC: O PRÍNCIPE CUJA OBRA SE TORNOU SUBITAMENTE UMA “BELA ADORMECIDA”!
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 Alguns dos depoentes citaram os versos de BILAC, do poema “Música Brasileira”
“…E em nostalgias e paixões consistes,/Lasciva dor, beijo de três saudades,/Flor amorosa de três raças tristes”.
Estranho é que ninguém tenha assinalado o ABSURDO contido nesses belos versos. Se todas são tristes, quais não o seriam? Só se ele estivesse fazendo apologia dos ORIENTAIS (cujo DNA parece também estar no nosso). Aquilo que ele lamentava, em verdade, não eram as raças, mas a sua “mistura”: a MISCIGENAÇÃO por ela mesma. Esses versos só ganhariam lógica caso se referissem “à mistura do que havia de mais triste nas 3 raças”. Nada mais do que a reprodução do preconceito contra a miscigenação em geral. Além disso, quem disse que a TRISTEZA é um mal? De minha parte, digo: quando estou triste (e é frequente), penso: “Estou avançando na empatia para com a DOR DO MUNDO!”. “Nunca mandes a tristeza embora/Que ela traz tanta inspiração!/Teu futuro se joga agora/Tá ali, ao alcance da mão..”
……………….CONTINUA….
*Sei que estou cometendo injustiça com todos os que tentaram e conseguiram resgatar o valor do elemento indígena na nossa cultura e sua miscigenação. O maior expoente desse movimento foi o poeta Gonçalves Dias. Já o elemento negro, até esse período, não foi além do lamento, comiseração e revolta cujo expoente maior foi Castro Alves. Só no séc XX seu valor seria resgatado, como veremos no próximo texto.
**Há um outro apogeu não suficientemente valorizado que surge na obra de Di Cavalcanti e suas mulatas muito generosas!