Temas e Controvérsias

ATRAÇÃO SEXUAL GENÉTICA-II¹

O que seria, então, a sublimação? Como se daria esse processo central e tão caro à teoria Psicanalítica? Qual a sua relação com aquilo que foi denominado Atração Sexual Genética? Antes de mais nada, há que assinalar ter sido F. Nietzsche o primeiro a aplicá-lo em psicologia. É de uma felicidade enorme, pois, originalmente e em física, significa a passagem direta do estado sólido para o gasoso. No caso, a passagem seria do desejo sexual concreto e direto pela mãe², para um amor mais propriamente “deserotizado”. Engana-se, entretanto, aquele que pensar nessa passagem como uma espécie de mão única e sem retorno. A assim chamada “Resolução do Complexo de Édipo” parece ser sempre provisória e obedecer a alguns “acordos tácitos” que estão longe de eliminar o desejo primordial, transmutado e transvestido em infinitas e variadas “roupagens”. Talvez seja esse o “leão” (ou a “leoa”) que precisamos, não matar, mas domar todos os dias, sublimando…sublimando…! E como as religiões fracassaram nesse processo!

O método (para lidar com a sexualidade) do fundador do cristianismo (São Paulo) era semelhante ao do dentista: ‘Se teu olho te escandaliza, arranque-o’…Crêem ter vencido a sexualidade, mas se equivocam, pois esta continua existindo de uma forma misteriosa e vampírica, torturando-os sob os mais repugnantes disfarces.” (Nietzsche: O Caminhante e sua Sombra)

Um processo efetivo de SUBLIMAÇÃO só aconteceria com o encontro de múltiplas derivações para o desejo mais propriamente carnal. A cultura, em geral, e as artes, em especial, forneceriam, para isso, os maiores apoios. Qualquer outro instrumento, associado apenas a condenações e “controles”, engendraria apenas as mais variadas PERVERSÕES:

Dominar não é senão um meio, nunca um fim…(De outra maneira), crescerá toda classe de ervas e cizânias no terreno previamente conquistado…”  (idem)

Nossos músicos e poetas se inspiraram com frequência nessa relação entre os amores ditos primordiais e suas múltiplas derivações: “…Mulher a gente encontra em toda a parte/Só não se encontra a mulher que a gente tem no coração” (Ataulpho Alves).

“…A gente ama verdadeiramente uma vez/Outras são puras fantasias,/Digo com nitidez…” (Monarco)

Dentre os poetas, entretanto, não conhecemos um que tenha escrito tanto e sem disfarces sobre o tema como M. Bandeira. Muito original (aparentemente) foi o processo de “reerotização” pelo qual passou, ainda que (teoricamente) “desviado”, pois dirigido à sua irmã mais velha: sua cuidadora muito maternal, naquele que parecia ser o seu momento extremo, atingido que fora pela tuberculose.

“Depois que a dor, depois que a desventura/Caiu sobre o meu peito angustiado/Sempre te vi, solícita ao meu lado/ Cheia de amor, cheia de ternura…”(A Minha Irmã)
“…Mas o teu corpo tinha a graça/ Das aves…Musical adejo/Vela no mar que freme e passa/ E assim nasceu o meu desejo/Depois, momento por momento/Eu conheci teu coração/ E se mudou meu sentimento/Em doce e grave adoração”. (Ingênuo Enleio)“…Ampara a minha fronte, e que minha ternura/Se torne insexual, mais do que humana—pura/Como aquela fervente e benfazeja luz/Que Madalena viu nos olhos de Jesus…” (“Natal”, durante o tratamento na Suíça)

“…Amei outras mulheres, mas a urgente/Compreensão, sem a qual, por mais subido,/Falece o amor, esteve sempre ausente./Em nenhuma encontrei o bem querido…/Com esse frescor de fruta desejável…” (“Irmã”, mais para o final da vida)

Não é por acaso que recorremos aos poetas nesse tema (e em tantos outros). A poesia—e a arte em geral—seria, a um só tempo, consequência e determinante no processo de sublimação. E quanto apelo há aqui para que enveredemos por um raciocínio “energético”, semelhante ao proposto por Freud, pensando na libido como uma forma de energia quase mensurável³!

Voltando à GSA, a passagem pelo processo denominado “Complexo de Édipo” só seria pleno na sua versão original, e quando dirigido aos pais biológicos (a mãe, pelo menos). Todas as demais funcionariam como uma espécie de “prêmio de consolação”. Dessa forma, Édipo não estaria tentando fugir ao seu destino quando deixou Corinto (após ouvir a profecia de que mataria seu pai e casaria com a própria mãe), mas procurando (inconscientemente, é claro) pela sua realização. Não fosse ele tão determinado quanto sempre se mostrou….! Quando os encontrou, todos atos represados tomaram, finalmente, seu curso inexorável. Se não há um DESTINO previamente traçado na natureza (e não há mesmo), haveria, em cada um de nós, alguns “quase destinos”, cujo não cumprimento como que mutilaria a nossa vida. Essas considerações, no mínimo, aumentam e expandem a compreensão da tragédia. Por isso, talvez tenham algum valor.

Por fim a cantiga de roda: “Terezinha De Jesus/Deu a queda, foi ao chão/Acudiram três cavalheiros/Todos três chapéu na mão/ O primeiro foi seu pai/O segundo seu irmão/O terceiro foi aquele/Que (a quem) a Teresa deu a mão…“.

Somente o nome “Maria” pode ter mais apelo religioso do que o de “Teresa“. Acrescido ao “De Jesus“, faz pensar em quase um religiosa (inspirada na Sta espanhola). “Dar a queda” é por demais associado a “cair de amor” (“to fall in love”). O “chapéu na mão” é atitude típica de uma reverência amorosa. Do “dar a mão” nem se precisa falar.

“…Tanta laranja madura/Tanto limão pelo chão/Tanto sangue derramado/Dentro do meu coração…”

Nesse ponto, eram outras donzelas que, em outros tempos, cantavam: Tanto amor preparado para ser colhido e desfrutado!/Tantos jovens cujos nomes são tão mal falados pelos pais de família enciumados!/Tanta maternidade perdida e se esvaindo, em tanto sangue derramado…!

De uma coisa estamos certos: sorte das não muitas “Teresinhas” que tiveram, a seu tempo, os três imprescindíveis cavalheiros a lhe oferecer a mão carinhosamente e cheios de ternura!

¹A expressão não nos parece boa nem suficiente para denominar o fenômeno. A atração sexual está sempre associada à genética. Há trabalhos demonstrando que essa atração tem um aspecto complementar: a mulher se sentiria mais atraída por aquele que apresentasse, em seu sistema imunológico, predominância de imunoglobulinas diferentes em relação às suas. O apelo à palavra “genética” parece ter atendido à intenção de atribuir ao fenômeno um sentido de destino, retirando responsabilidades das pessoas.

²Partindo do princípio da não diferenciação de gênero nessa fase, seria sempre a mãe o objeto desse assim chamado “Complexo”. Há a assinalar que, também com o termo sublimação—assim como com “stress“, depressão e trauma—quando a psicologia se apossa de um termo, o seu uso passa a ser considerado o principal. Não fosse a psicologia a “rainha das ciências”…! (Nietzsche, “Além do Bem…”)

³Aceitávamos um “raciocínio energético” apenas associado ao desvio de “energia sexual” para a criação científico-cultural. Depois de ouvir um biólogo comparar os “excessos” intelectuais aos “excessos” da cauda do pavão, foi-se o último resquício daquele raciocínio. Tudo se daria apenas em função da conquista de fêmeas. Quem sabe…/O super-homem venha nos restituir a glória/ Mudando como um deus/ O curso da história…/Por causa da mulher” G.Gil. Enquanto não se conseguir mensurar “energias”, falemos delas apenas como metáfora.”