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ESTABELECENDO ALGUNS PRINCÍPIOS BÁSICOS
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1- Todos somos dependentes—seres SOCIAIS E GREGÁRIOS, antes de tudo—pelo menos no sentido da necessidade de outros seres humanos. Esta é tão imperiosa que, quando não existe—seja a partir de situações artificiais de isolamento, como mostrado no filme “O NÁUFRAGO”, seja durante o isolamento associado a doenças mentais—precisamos como que inventá-lo.**
2- Inspirado em PICASSO: “Quem imita muita gente não imita ninguém” (pois cria um novo estilo), eu diria: quem depende de muitas pessoas, em verdade não depende de ninguém…de nenhuma pessoa em particular.
3- Não é razoável falar em UMA pessoa dependente de outra pessoa (mãe, pai, irmão, marido, esposa, etc.). O que existe são “PARELHAS de DEPENDENTES”, uma vez que o aparentemente “dominante na relação” sempre depende da dependência do outro. Costumo dizer que a dependência é uma “via de mão dupla”. Quem tem uma vida rica não gosta de ficar como que “aprisionado” a um outro. Quantas vezes ouvimos falsos poderosos dizendo, por exemplo: “Ela(e) não fica sem mim…Tá sempre grudado…Sempre digo prá ele cuidar da vida dele…”. Entretanto, basta o outro começar a ensaiar alguma autonomia para que comecem a “torpedear” (de forma mais ou menos sutil) aqueles esforços.
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E…O QUE SERIA “ACERTAR” NA CLÍNICA? QUAIS OS DOIS ERROS POSSÍVEIS?
“Caminhante, não há caminho!/Faz-se o caminho ao andar” (Antônio Machado, poeta espanhol republicano)
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Em princípio, não gosto de aplicar o verbo “acertar” quando se tratam de atividades muito complexas, pois gera a impressão de haver UM caminho certo e simplesmente não há. O que vai existir (a partir de uma intervenção clínica qualquer) há de ser um caminho que se vai fazendo no percurso e a partir das pouco previsíveis reações provocadas e/ou espontâneas. Por isso prefiro falar em ações mais ou menos efetivas e geradoras de maior ou menor adaptação e autonomia (não abro mão desse objetivo) para a situação e indivíduos envolvidos. Sendo assim, afirmo:
“Acertar na clínica implica caminhar entre 2 erros, fazendo correções de rumo e tentando ficar mais distante do risco de cair naquele que poderia ter piores consequências”.
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1- Confrontar ou desconhecer o parente “poderoso” da relação (pais/filhos; marido/mulher….) e investir direto (e já no início da terapia) na independência do paciente de referência.
2- O OPOSTO: tornar-se apenas um “braço do poder” perverso da família (admitamos) e, com isso, perder todo papel terapêutico, associado necessariamente a um avanço no sentido de mais independência e autonomia.
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E QUAL SERIA O ERRO MAIS PERIGOSO E DE PIORES CONSEQUÊNCIAS 2?
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Na imensa maioria das situações médicas por excelência, a identificação da conduta de maior risco, é óbvia, por ex: paciente apresentando sintomatologia que poderia ser atribuída a manifestações HIPOCONDRÍACAS, mas também a alguma etiologia orgânica propriamente dita. A escolha da prioridade aqui é até redundante: investigar as possíveis causas orgânicas intensivamente, mas sempre mantendo o olhar investigativo para a presença eventual de atitude teatral, sugestionável e sedutora. No seguimento da investigação, as coisas tendem a se esclarecer mais ou menos rapidamente.
Já para as situações abordadas neste texto, sequer me arrisco a dizer qual das condutas assinaladas acima seria de maior risco. De minha parte, digo que nada pior do que se tornar como que um “braço das famílias”. De qualquer forma, há que, no “espaço” entre as duas condutas assinaladas, encontrar aquela que funciona mais naquele momento e avançar lentamente no sentido da tal independência e autonomia possíveis.
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E QUANDO O “DOMINADOR DA RELAÇÃO” É O QUE ADOECE?
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Sempre valorizei muito essas situações, pois são extremamente ricas. Afinal, e até no nosso próprio organismo, é nos nossos aparentes pontos fracos que crescemos. Se não existissem as fontanelas, nossos crânios não poderiam se adaptar e comportar a evolução do nosso cérebro. O mesmo se pode dizer da cartilagem das extremidades dos ossos longos, essenciais para seu crescimento. Com as mentes parece se passar algo semelhante. Por isso, o adoecimento periódico pode ser elemento—não a ser buscado, desnecessário dizer, mas a ser trabalhado quando do acontecimento—de amadurecimento mental. Deixemos de lado o pensamento POSITIVISTA que tanto mal faz por aí. Quem desconhece o bem estar de um processo de convalescença? Há ali algo de especial, e não somente pelo alívio da doença, mas de SUPERAÇÃO. Não somente internamente, mas também nas relações entre pessoas muito próximas, momentos de grande fraqueza em uma pessoa “dominante” podem propiciar amadurecimento e crescimento nas pessoas à sua volta. Como se vê, há muito a discutir a respeito.
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RESUMINDO: diante das situações muito complexas (e não extremas) da clínica, não existe A CONDUTA CERTA, mas aquela que é mais efetiva para uma certa situação e EM UM DADO MOMENTO. Toda essa discussão pode ser reduzida à questão de qual a ÊNFASE a ser dada (entre as duas vertentes da intervenção) em uma situação ou para um período, nunca deixando de lado alguma expectativa de autonomia por parte dos pacientes.
A partir de discussões com Residentes