Temas e Controvérsias

Esquizofrenia: Um Alto Preço Por Linguagem Verbal e Cultura? – I

Convidado para ser o debatedor da apresentação do tema: “Tratamento Cognitivo em Esquizofrenia: dos Modelos Animais à Intervenção Precoce em Pacientes”, por Rogério Panizzutti (ICB-UFRJ) no Primeiro Simpósio Internacional (IPUB-UFRJ, set 2011), sentimo-nos em situação delicada, uma vez que não conseguimos aceitar a idéia da existência de um modelo animal para as Esquizofrenias¹. Aceitamos plenamente a idéia do desenvolvimento de modelos animais para o aprofundamento do entendimento dos seres humanos. Somos, antes de tudo, animais, contrariamente ao que afirmam alguns grupos que tentam resgatar uma mentalidade medieval. Aliás, se fomos “feitos à imagem e semelhança” de algum outro ser, esses seres são os demais primatas.

Estamos convencidos de que a melhor maneira de homenagear a C.Darwin (!809-1882), há de ser através do resgate permanente da nossa origem animal e não somente no sentido das semelhanças físicas e/ou genéticas. Somos também “muito animais” na base de nossas disposições instintivas mais profundas e, quem sabe até, nas disposições morais mais elevadas? As pessoas que, de alguma forma, acompanham essas publicações, devem se lembrar dos textos nos quais, a partir da obra Nietzsche, fizemos uma apologia do respeito e investigação do papel das disposições instintivas no nosso comportamento. Foi, ainda, em torno desse mesmo tema, central para psicologia em geral, que encontramos a maior fragilidade da obra de S. Freud.

Lendo uma biografia de I Pavlov (1849-1936), soubemos da curiosa multa por ele instituída entre seus auxiliares, a ser paga sempre que alguém fizesse uma “analogia humanizadora” para comportamentos dos animais estudados. Esse foi, certamente, um excelente cuidado, especialmente no início de uma investigação que abriria alguns caminhos de muito interesse. Quando da abertura de alguma linha de investigação, parece-nos muito importante evitar todo reducionismo do desconhecido ao conhecido, atitude típica (automática e inconsciente) da mente humana. Como, entretanto, a PSICOLOGIA não deixa de ser a “RAINHA DAS CIÊNCIAS” (Nietzsche, “Para Além do Bem e do Mal”), aquela recomendação não haveria de ser muito duradoura. O que mais desperta, hoje, interesse no estudo do comportamento animal, especialmente dos mamíferos, são exatamente os paralelos que se podem fazer daqueles achados com o comportamento humano.

Em suas primeiras pesquisas, criou Pavlov o primeiro modelo para produzir um transtorno “mental” (por que não dizer?) em um animal. Para isso, fez desenvolver, em um cão, dois reflexos condicionados, a partir da apresentação de: 1-um círculo, seguido continuadamente de uma gratificação; 2-uma elipse, seguida de uma punição. Estabelecida a situação, promoveu-se o alongamento progressivo do menor eixo da elipse, até que, em determinado ponto, tornou-se impossível a diferenciação entre as duas imagens. Observou-se, então, uma reação catastrófica, guardando muitas semelhanças com certas reações humanas, associadas à total perda de controle sobre o ambiente e da capacidade de antecipação de gratificação ou punição. Essa era uma situação completamente artificial (totalmente laboratorial), no que se refere aos animais. Já com relação aos seres humanos…! Por isso mesmo, TODO O SEU INTERESSE HAVERIA DE SURGIR DE PARALELOS COM SITUAÇÕES HUMANAS. Se, na natureza, nada de semelhante é observado, nas relações humanas, (e com uma frequência crescente) nos porões de tortura patrocinados pelo Estado de países ditos “muito civilizados”, esse talvez seja o maior instrumento para desmoralizar uma pessoa: enviar mensagens dúbias ou contraditórias. Na própria natureza, entretanto, encontramos também situações animais que semelham, por exemplo, depressão: quando um animal perde um cuidador ou um outro animal, seu companheiro, e expressa desinteresse generalizado pela vida. Já em relação às manifestações nucleares das esquizofrenias, certamente não, uma vez que implicam a linguagem verbal, exclusivamente humana.

No início, certamente não era o “Verbo”! Houve muita coisa antes do nosso surgimento na Terra. Já do “Verbo Divino”, não dizemos nada. No que se refere à cultura, entretanto, aquela bela sentença parece-nos totalmente verdadeira: A PALAVRA É A PRIMEIRA CRIAÇÃO SIMBÓLICA NA NATUREZA E, POR ISSO, É TAMBÉM O MARCO INICIAL DE QUALQUER CULTURA. Quando uma sequência de sons passa a representar uma coisa ou acontecimento, estão abertos os caminhos para o surgimento dos “mitos de fundação” das diversas culturas. A Palavra e a Linguagem verbal antecederam de milhares de anos a pintura (Rupestre) das primeiras imagens nas cavernas européias. Contrariamente ao ditado um tanto tolo: antes da primeira imagem, foram criadas muito mais do que mil palavras. Sem umas, não haveria as outras.

Convencidos dos riscos de enveredar por um excesso de especulação, diríamos que nenhuma tentativa de aprofundamento da relação entre ESQUIZOFRENIA e LINGUAGEM haverá de cair completamente no vazio. Suas relações são tão intensas, que esse simples esforço, no mínimo, serviria de alerta. Parece ter sido exatamente tomando a linguagem como referência, que E. Bleuler cunhou o termo ESQUIZOFRENIA, termo esse que foi consagrado quase imediatamente. Há, certamente, muitas CISÕES a investigar para as SQZs: córtico-límbica; inter-hemisférica; simbólico-concreto; indivíduo-meio social e, quem sabe, algumas outras. Fiquemos nas duas últimas, pois podem ser investigadas ao exame “desarmado”. Tentando encerrar com essa esperança de desenvolver modelos animais para a doença, diríamos ainda que nem modelos humanos, provenientes de outros distúrbios: FUNCIONAIS (como estados paranóides provocados por excitantes corticais), ou ESTRUTURAIS (como os estados paranóides que podem ocorrer em epilepsias focais temporais e os quadros decorrentes de sífilis) conseguiram reproduzir as manifestações consideradas nucleares para a SQZ. Para os primeiros, cessada a fase aguda, não se verificam os muito típicos sinais e sintomas ditos “negativos” (ou de déficit): incapacidade de organização de conduta, expressão da vontade e dos afetos. Já os segundos, mais se assemelham aos quadros decorrentes das lesões fronto-orbitais com sua típica liberação de impulsos ou quadros maniformes. A maior esperança, em relação à possibilidade de reproduzir modelos para a SQZ, veio dos trabalhos de Weimberger demonstrando a incapacidade desses pacientes para ativar a porção dorso-lateral do lobo pré-frontal, quando submetidos ao WCS (Winsconsin Card Sort). Os muito raros casos, nos quais essa área foi lesada espontaneamente, entretanto, reproduzem apenas os sintomas de deficit para a SQZ.

CONTINUA….

¹Demo-nos conta, durante a clara e rica exposição, que as intervenções propostas não implicavam um modelo animal específico para a esquizofrenia, mas sim uma intervenção voltada, principalmente, para os estímulos cognitivos a pacientes, estímulos esses que tiveram amplas repercussões positivas nas suas vidas em geral. Há quem invista na reprodução de modelos animais específicos para a SQZ, mas, para que isso ocorra, nem um NOBEL há de ajudar.

Márcio Amaral, vice-diretor IPUB-UFRJ, Prof. Adjunto UFRJ e UFF

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ