Temas e Controvérsias

H. PSIQUIÁTRICOS: O EQUÍVOCO DO ATAQUE INDISCRIMINADO!

(Confundindo DEMANDA SOCIAL com INTERESSE FINANCEIRO)
Caps
Ainda há de demorar muito a eliminação da NECESSIDADE de internações curtas, pelo menos.

Nada é mais importante na luta política do que a distinção clara entre quem são os adversários—melhor é dizer INIMIGOS, dada a radicalização do momento—e aqueles que podem ser nossos aliados. Nunca isso foi tão verdadeiro na nossa área quanto hoje, diante dos ataques que as bases da R. Psiquiátrica vem sofrendo. No que se refere ao papel social dos H. Psiquiátricos, uma certa ingenuidade tem feito com que muita gente de bons princípios abrace teses totalmente equivocadas: os privatistas e os FALSOS PASTORES agradecem! A história (bem recente, diga-se de passagem) da psiquiatria institucional aplicada no Brasil é tão marcada por exclusões, confinamentos e abusos que, até por uma reação natural e compreensível, tem havido uma generalização perigosa na condenação às internações psiquiátricas. Muita gente perdeu o referencial que deve nos nortear sempre: o que é o melhor, NAQUELE MOMENTO, para as pessoas que precisam de nossa intervenção terapêutica? Uma coisa é certa, os que advogam os interesses privatistas sempre comemoram quando confundimos e misturamos uma DEMANDA SOCIAL que existe e é real com os interesses deles mesmos em controlar a sociedade e faturar com AIHs. E como torcem fechamento de leitos psiquiátricos PÚBLICOS!
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LUTA ANTIMANICOMIAL E RESPONSABILIDADE SOCIAL
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Esse “slogan” é tão forte e arraigado na nossa sociedade—o que é um bom sinal—que dirigentes de H. Psiquiátricos PÚBLICOS costumam ser questionados (quando não interpelados) até em seus próprios meios sociais e familiares. SIM! Todas as sociedades deveriam ter como lema a NÃO EXCLUSÃO. Por isso, deveríamos considerar TODAS elas—inclusive as que implicam julgamentos e prisões—uma falha também daquela mesma sociedade. Não é razoável que a sociedade se considere imune de responsabilidades, inculpando somente o próprio excluído e/ou confinado por alguma razão*. Isso não quer dizer que essa mesma sociedade deva se abster da sua própria proteção; inclusive através do afastamento temporário de alguém de seu convívio. Mas esse afastamento deveria também estar em sintonia com a recuperação. Mas, fiquemos somente na nossa população de PACIENTES que não cometeram crime nenhum, mas estão em uma situação EMERGENCIAL implicando um risco à vida ou integridade para ele mesmo e/ou a sociedade em geral. Aqui e para eliminar tergiversações de colegas que servem aos poderes perversos e retrógrados, é bom assinalar que a palavra “EMERGÊNCIA” implica algo que emergiu naquele período não podendo ser aplicada para “justificar” recolhimentos compulsórios para populações consideradas em situação de risco permanente.
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UTOPIAS NÃO PODEM NORTEAR POLÍTICAS PÚBLICAS
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Não faz muito tempo, ouvi de uma das figuras de proa da RP a declaração de que sonhava “…com uma sociedade sem hospitais psiquiátricos”. Bem…se a questão é sonhar, por que não com a HARMONIA UNIVERSAL; com a felicidade plena de todos os humanos, etc.? Nesse caminho, cairemos no mesmo papel dos religiosos mais honestos, mas totalmente incapazes de influenciar o curso da história. “UT TOPOS” implica “fora do espaço”, podendo “existir” somente na imaginação e no TEMPO infinito (“para a frente e para trás”). SIM! Muitas coisas que existem hoje no ESPAÇO foram tidas como utópicas: é na nossa imaginação (e eu sou criticado por tê-la demais) que as grandes mudanças se iniciam. Daí a que norteiem p. públicas—por definição dirigidas ao PERÍODO, por isso baseadas em estudos epidemiológicos—implicaria uma alienação muito perigosa; daquelas que terminam por inviabilizar qualquer avanço na direção desejada. Não faz muito tempo, o IPUB viveu uma situação que, de alguma forma, continua pairando como uma ameaça sobre todos os H. Psiquiátricos PÚBLICOS, mesmo sobre aqueles voltados a práticas humanas e de ressocialização/reabilitação.
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OS FATOS IMPORTANTES DA HISTÓRIA SE REPETEM (Hegel)
“Da primeira vez como DRAMA, da segunda…” (K. Marx, “18 do Brumário”).
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No ano de 1986 a comunidade do IPUB elegeu para sua direção um colega que sempre tivera verdadeira aversão às enfs psiquiátricas. Eu era seu contemporâneo (ele 2 anos à frente na UFRJ) e participávamos de uma mesma organização que lutava contra a DITADURA no final da década de 1970. Se havia uma grande simpatia na faculdade…a PSIQUIATRIA nos afastou completamente. Contrariamente ao que costumava acontecer com as várias direções anteriores—quando todas as pessoas sérias e com bons projetos (independentemente de crenças, “linhas” e escolas) tinham autorização e investimento para suas práticas—aquele diretor, movido por crenças ideológicas**, começou a aplicar o esforço de que o IPUB fosse “feito à sua imagem e semelhança”. Não é a Deus que nos referimos nessa sentença (até porque Ele não teria uma forma), mas às atitudes NARCÍSICAS que muitos diretores, presidentes, etc. tentam aplicar àqueles órgãos que dirigem. Sendo assim, em pouco tempo, o IPUB estava reduzido a de 20 a 30 pacientes internados; seus ambulatórios com uma ociosidade dolorosa; a RM e os Cursos de Especialização quase inviabilizados e assim por diante. Enquanto isso, as unidades privadas estavam abarrotadas de gente “saindo pelo ladrão” e enchendo o bolso de ladrões. Nunca a INDÚSTRIA DA LOUCURA mereceu tanto esse nome. A tão esperada “humanização” descambara em uma ALIENAÇÃO como poucas vezes vi: achavam que tirando os pacs de nossa vista a desumanidade deixava de existir.
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DIANTE DA IMINENTE TRAGÉDIA…VEIO A REDENÇÃO!
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Alguém poderia perguntar onde estavam as forças criativas do IPUB para fazer frente a essa “demolição moral”, pois esse processo durou 8 anos! Eu diria que os mais idosos, com a exceção de alguns poucos, omitiram-se. Novas gerações, entretanto, começaram a reunir forças sob a liderança de João Ferreira com quem—até então e desde a Faculdade—eu estivera em conflito permanente por divergências também na abordagem clínica. E foi nesse momento que alguns mais próximos me disseram:“Vamos ver o que ele nos oferece para uma aliança”, ao que respondi: “Não quero nem saber se oferece alguma coisa! Vou apoiá-lo”. Em verdade, eu estava vendo JOÃO cercado de ex-alunos que eu conhecia bem e respeitava muito: Maria Tavares, Otávio Serpa, Manoel Olavo e outros e isso era um bom sinal. Vencemos e foi iniciado um processo quase de REDENÇÃO do IPUB cujo alcance foi bem mais elevado e profundo do que eu mesmo poderia imaginar. E por que essa história é importante? Comecei a ouvir de novo gente falando em reduzir nossas vagas de internação e na base da questão está o MESMO CONFLITO: pessoas que se incomodam com a população das enfermarias, como se as internações se dessem por uma INICIATIVA e INTERESSE nosso e não por uma DEMANDA SOCIAL. O IPUB me parece preparado para um eventual e possível decréscimo das NECESSIDADES SOCIAIS de internação, mas esse há de ser um processo tocado a partir da vida objetiva: da sociedade para nós. Já no plano das ideias e valores, temos papel fundamental e por aqui NUNCA prolongamos permanências por interesse nosso e desafio a que demonstrem o contrário. O número de pacs aos quais, por razões sociais diversas, ainda não conseguimos dar alta me parece ser bem maior do que o dos que aqui estão à revelia. De minha parte, sempre fui conhecido por fazer as perguntas aos pacientes e aos RESIDENTES: “Quando vai sair de alta?; “Por que ainda ele(a) não saiu?” e outras.
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C. TERAPÊUTICAS OU O GULAG BRASILEIRO?
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ArbeitO ataque à humanização da abordagem da saúde mental nunca foi tão cerrado. Valeram-se do mais efetivo dos instrumentos: RECURSOS PÚBLICOS! De uma tacada, passaram de 4000 para 16.000 os “leitos” das muito mal denominadas CTs: exílio involuntário para pessoas que incomodam governantes pouco humanos. Uma das denúncias associadas (ouvidas de quem já esteve em uma delas confinado) às tais CTs é de que aplicam TRABALHO ESCRAVO e seu correlato obrigatório: MAUS TRATOS. Não demora muito, e escreverão à sua entrada sob o signo de AUCHWITZ: “ARBEIT MACHT GESUND” (o trabalho torna saudável). É o paralelo moderno daquilo que se pode ler na entrada do terrível Campo: “Arbeit macht Frei” .
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**Dentre os muitos motivos que tenho para condenar a pena de morte, esse é um dos principais. Está ali implícita a conclusão: “Ele é o único responsável por suas condutas. Eliminemo-lo e mantenhamos tudo como está”. Nem é preciso falar dos muitos inocentes que foram “eliminados”. O ato é perverso na sua ORIGEM e mesmo quando “bem aplicado”.
**Aplicando a palavra IDEOLOGIA no sentido que K. Marx aplica no seu “IDEOLOGIA ALEMÔ: um conjunto de ideias desligado da vida e tentando ter vida própria.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ