Temas e Controvérsias

IDEIAS DELIROIDES “versus” SOBREVALORADAS-II

(O que dizem alguns autores contemporâneos os a respeito?)
Karl jaspers
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“A las i. deliroides pertenecem las equivocaciones pasajeras provocadas por percepciones enganosas y otras…; las ideias melancolicas y maníacas (delirio nihilista del pecado, del empobrecimiento, etc.) y ante todo, las ideias sobrevaloradas.
K. Jaspers, “PSICOPATOLOGIA GENERAL”, Edit. Beta, B. Aires, 1963.
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Sem tentar cometer o absurdo de diminuir a importância da obra de K. Jaspers, poucas de suas passagens sugerem tanto aquilo que muitos repetem: sua não ligação direta com a clínica propriamente dita e as fragilidades disso decorrentes. Essa classificação apresentada, de manifestações tão díspares e importantes; implicando intervenções clínicas e prognósticos tão diferentes, pede uma crítica e superação pela psiquiatria moderna. O que mais tenho criticado nas obras de nossos autores contemporâneos é exatamente essa NÃO CRÍTICA de critérios por vezes antagônicos, frequentemente reproduzidos lado a lado sem qualquer observação em quase todas as obras.
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Elie Cheniaux (“MANUAL DE PSICOPATOLOGIA”, Quinta edição), depois de boa caracterização das I. Sobrevaloradas, termina: “Jaspers as inclui entre as i. deliroides, ao lado dos delírios secundários, mas isso não é seguido pela maioria dos autores” . De minha parte, fico feliz em estar em boa companhia, mas tenho minhas dúvidas quanto a essa “maioria dos autores”. O próprio N. de Mello, por exemplo, reproduz aquela classificação de K. Jaspers.
Fontenelle e Mendlowics (“MANUAL DE PSICOPATOLOGIA”) por exemplo, depois de uma boa caracterização das i. sobrevaloradas, reafirmam com Jaspers: “…representam uma variedade das i. deliroides e correspondem a fenômenos que polarizam a vida do indivíduo…”.
M. Chalub (em “PSICOPATOLOGIA CONCEITUAL”) não chega a tratar da possível relação entre as I. deliroides e as sobrevaloradas, discutindo-as separadamente e sempre acrescentando alguns conhecimentos muito úteis.
P. Dalgalarrondo (“PSICOPATOLOGIA E SEMIOLOGIA…”) também não discute a possível relação aqui discutida. Depois de uma excelente revisão sobre as i. sobrevaloradas, discute as i. deliroides emitindo sobre elas um conceito muito discutível, senão inapropriado mesmo: “Não se originam de alteração primária do pensamento, mas de alterações profundas em outras áreas da atividade mental (afetividade, consciência)…”. Incluir a CONSCIÊNCIA nessa lista não me parece razoável. Afinal, darem-se em CLAREZA DE CONSCIÊNCIA é condição obrigatória que os fenômenos aqui discutidos recebam aquela denominaçãoCaso contrário, trata-se de um quadro de DELIRIUM , apenas um delirium e de origem quase sempre (senão sempre) orgânica.  Todas as suas manifestações devem ser olhadas a partir desse quadro e não costumam ter qualquer consistência e estabilidade. No seguimento do capítulo, o autor não aplica os critérios por ele mesmo listados para diferenciação entre i. delirantes e deliroides, aplicando o termo “DELÍRIO” para os distúrbios do juízo verificados, por exemplo, entre pacientes maníacos, depressivos e outros
NA SÚMULA PSICOPATOLÓGICA…SÓ SE HOUVER PREJUÍZO AO PRÓPRIO
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Para que alguma manifestação conste de uma Súmula Psicopatológica é IMPRESCINDÍVEL implicar algum PREJUÍZO marcante, e para o próprio paciente, ouso afirmar. Caso contrário, podemos “justificar” um encarceramento de dissidentes, como em vários momentos da história. Assim, pessoas que vivem em torno de uma IDEIA predominante, abandonando outras funções (e até relações sociais), mas conseguindo levar suas vidas, não devem ter esses traços incluídos entre manifestações clínicas. Sei que o limite é tênue, mas prefiro o risco desse erro ao oposto. Tal manifestação pode e deve ser estudada do ponto de vista da compreensão psicológica, sociológica, antropológica, até para enriquecimento do estudo dos limites da normalidade. É aceitável até que se identifique ali uma espécie de “caldo de cultura” para condições clínicas específicas, mas intervenções, especialmente se não desejadas, NÃO.  Algumas pessoas fazem de suas deficiências (ou limitações, admitamos, pelo menos no início) uma espécie de alavanca que as catapultam para novos patamares. O ditado: “A pérola é a doença da ostra” aplica-se muito bem a inúmeros artistas e até cientistas que produziram obras importantes em conflito permanente com certas limitações profundas de que sofriam. Há que evitar o risco de olhar os seres humanos a partir de critérios excessivamente TELEOLÓGICOS de normalidade; aqueles que tomam como referência processos e situações muito ideais. 
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DA RELAÇÃO ENTRE O FANATISMO E AS IDEIAS SOBREVALORADAS
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Os FANATISMOS, em geral, devem ser incluídos entre as I. Sobrevaloradas, mas o seu tratamento como condição clínica também implica a presença de um PREJUÍZO marcante para o próprio e associado ao traço. Isso fica muito evidente em “O PAGADOR DE PROMESSAS” (D. Gomes). Outros, porém, especialmente quando são muito compartilhados—como o de A. Conselheiro por exemplo—-devem ser olhados como fenômenos SOCIAIS, a partir da tendência humana universal à produção de MITOS. Qualquer “psiquiatrização” (assim como para “homens bomba”) deve ser evitada. De novo, estudos por sociólogos, antropólogos e psicólogos são muito bem vindos. É verdade que a associação do NARCISISMO de uns poucos com a DEPENDÊNCIA de muitos, costuma degenerar em seitas voltadas à tortura e até mortes. Nesse caso, e a partir desse momento, sim, podem ser incluídos em nossas classificações, pelo menos entre os Transtornos da Personalidade.
Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ