Temas e Controvérsias

NEUROPSICOLOGIA: NOVO SABER…NOVA TERMINOLOGIA

Muitas das novidades do saber, em nossa área e nas últimas décadas, têm vindo da NEUROPSICOLOGIA. De alguma forma, ela “bypassa” a psiquiatria—até mesmo na sua denominação—mas seus efeitos e impacto sobre nós são enormes. A curiosidade, é que S. Freud talvez tenha sido o primeiro a trilhar esse caminho, ao transitar diretamente da neurologia à psicologia. Essa é, certamente, a razão para muitas das inconsistências observadas em suas incursões pela psiquiatria¹.

Todo novo saber precisa criar seus próprios termos e é natural que os neuropsicólogos comecem a usar uma nova linguagem. Aquilo que não podemos aceitar, é um certo esforço de desconsiderar todo o saber constituído em nossa (já um tanto longa) história. A neuropsicologia não brotou da noite para o dia, como cogumelos, e muito menos “do nada”. Ela também é fruto dessa história que não pertence a ninguém. Quer demonstrar sua independência em relação à psiquiatria? É natural, mas daí a simplesmente desconhecer algum saber relacionado, vai uma enorme distância. Além disso, essa não seria uma atitude, digamos assim, “muito científica”. Tudo o que se espera de pesquisadores, dignos do nome, é exatamente uma perspectiva histórica e também que não se deixem levar por disputas mesquinhas.

Na esfera da ATENÇÃO, por exemplo, quantos novos conceitos e quanta valorização de uma função psíquica da qual falávamos apenas de passagem! O corte desse novo saber, em relação ao anteriormente constituído, porém, foi de tal monta, que bons e amplos capítulos versando sobre a ATENÇÃO (em livros voltados à neuropsicologia), sequer se referem às palavras VIGILÂNCIA e TENACIDADE. Termos tão caros à psiquiatria, são hoje de tal forma desconsiderados, que não parecem dignos sequer de receber uma crítica. Nem as relações: alquimia/química e astrologia/astronomia, foram tão amaldiçoadas. Aqueles termos mereceriam, pelo menos, um enterro digno e um epitáfio; não uma execução sumária e mero desaparecimento no fundo do mar. Estamos convencidos de que esse tratamento dado às palavras (não aos conceitos, uma vez que eles estão lá, embutidos nos novos termos) é a maior demonstração do descaso que boa parte dos neuropsicólogos tem em relação ao saber psiquiátrico em geral. A velha e boa psiquiatria haverá de, muito generosamente, acolher todas as novas formas de saber, moldando-as às suas próprias necessidades.

Contrariamente, a importância que os clínicos dão aos pesquisadores é de tal ordem, que tendem a se sentir permanentemente em dívida, sempre que não conseguem acompanhar o desenvolvimento de um conhecimento qualquer. Sem querer desmerecer os novos conceitos e termos, vamos tentar demonstrar que nossos velhos instrumentos continuam a suprir as necessidades diárias da clínica. Há que assinalar, ainda, que a maioria desses novos conceitos não se associa a uma psicopatologia propriamente dita (ou seja, à produção de sinais e sintomas bem demarcados), mas a variações do normal, mais ou menos sutis, exigindo investigação armada”, não disponível ao exame clínico imediato:

1- ATIVAÇÃO (arousal ou allertness)-talvez melhor fosse chamá-la de nível de ativação ou alerta, uma vez que avalia intensidade momentânea. Corresponderia a uma subdivisão daquilo que denominamos VIGILÂNCIA em: a) TÔNICA- uma disposição básica, de caráter eminentemente fisológico, para responder aos estímulos do meio (melhor talvez fosse chamá-la apenas TÔNUS ou “ESTADO DE PRONTIDÃO”, uma vez que avalia um certo preparo básico para resposta. O que não está muito claro, é como pode ser avaliada); b) ATIVAÇÃO FÁSICA- refere-se à capacidade de, a partir dos estímulos, dirigir a atenção a qualquer ponto do campo perceptivo externo ou interno.

2-SELETIVIDADE– se for a “…capacidade de focalizar um estímulo específico e ignorar distratores…” (P. Mattos-“Psiq, Diagn e Tratamento”), refere-se a um dos aspectos da velha TENACIDADE. Mas, sendo uma seleção daquilo que é mais importante para “trabalhar”, depois de manter todos os outros estímulos “em suspenso”, então se confundiria com as FUNÇÕES EXECUTIVAS.

3-ALTERNÂNCIA– capacidade de alternar entre mais de um estímulo (ou conjuntos deles).

4-SUSTENTAÇÃO– sendo a capacidade de manter o foco atentivo(concentração), corresponderia à outra característica da TENACIDADE.

5-AMPLITUDE (ou “span”)-“refere-se à maior quantidade de dados que pode ser apreendida, quando o material é apresentado apenas uma vez”. Nesse caso, confunde-se com a memória imediata.
Como pudemos ver, apesar do grande enriquecimento do capítulo, não há ali um “corte epistemológico“, ou seja, uma ruptura radical com o saber anteriormente existente. Podemos, muito bem, continuar a falar de distraibilidade; da frequente relação inversamente proporcional entre vigilância e tenacidade em um mesmo paciente²; de hipopressexia para a baixa generalizada da atenção e assim por diante.

Muito do nosso saber, como diz a canção: “É eterno porque é raiz“. Não temos por que dele nos envergonhar e até (quem sabe?) de algum “não saber”! Bem mais perigosa do que a ignorância, é a arrogância. Quem sabe que ignora, procura pelas fontes. Já o arrogante…!

¹A exceção é o “Caso Schreber”. É bom lembrar, porém, que a investigação de Freud, nesse caso, foi eminentemente clínica e psicológica. O mesmo não se pode dizer dos estudos sobre o narcisismo, onde há considerações de natureza “energética”.

²Há situações, muito especiais, que exigem uma elevação das duas, como a atividade de um regente de orquestra, por exemplo.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ