Temas e Controvérsias

O DISCURSO ANTI-MÉDICO QUE SE ESPALHA NO GOVERNO

(APLICANDO "GARROTE VIL" NOS HUs E NA RES. MÉDICA?)

Já há alguns anos, vem se desenvolvendo e refinando, entre membros do Governo brasileiro, um preconceito generalizado contra os médicos. Somos apontados como um entrave à aplicação das políticas públicas de inclusão, elitistas, arrogantes, soberbos e assim por diante. Na melhor das hipóteses, temos sido vistos como um mal inevitável, dadas as disposições legais vigentes, e até isso é motivo para hostilidade. Curiosamente, repetem-se para conosco os mesmos procedimentos que se aplicavam em relação aos grupos que, historicamente, sofreram com os maiores preconceitos. Como, de alguma forma, todos acabam precisando dos médicos, dizem: “Os médicos são isso e/ou aquilo, mas o MEU médico é diferente!”. Dizia-se a mesma coisa em relação aos negros e aos judeus….“Os judeus (ou os negros) são isso e/ou aquilo, mas VOCÊ é diferente, apesar de negro (ou judeu)!”. O pior é que muitos se sentiam lisonjeados com esse tipo de julgamento. Não se davam conta de que, traindo a sua própria origem, perdiam o respeito de todos.

Temos deixado, é verdade, muita margem para que essas coisas aconteçam, especialmente pela atitude lamentável de nossas associações em relação às políticas de inclusão social voltadas para a assistência à saúde mental. Reconhecemos as razões que muitos colegas, e outras pessoas da área, têm para o cultivo de um sério ressentimento em relação aos médicos. Esse ressentimento, porém, não pode se transformar em política pública. Até porque, é em torno da RM que se encontram os médicos de maior espírito público. Alguns perguntam: “Por que não incluir os médicos na ResMult”? Por ora, pelo menos, temos todas as razões para não fazê-lo: A RM está consolidada há mais de 30 anos; serviu de inspiração para as demais; a ResMult está em fase de consolidação; é um contrasenso desfazer algo que está consolidado em função de algo que busca se afirmar.

Para agravar a situação, temos observado que os maiores responsáveis pelo MEduc estão lidando com o ensino e formação médica como se não fossem assunto de seu Ministério. Há poucas semanas, em um procedimento truculento, e contando com a total omissão do ME, o M. da Saúde conspurcou (sujou mesmo) os futuros concursos para a RM, impondo uma distorção oficial nos seus resultados, a partir de um bônus oferecido àqueles que tiverem cumprido Programa de Saúde da Família¹. Este não é o lugar para discutir o mérito da proposta, apenas o método com que foi imposta. Não temos notícia de um Ministro “passeando” por sobre a área de atuação de um outro com tamanha desenvoltura e sem cerimônia. Há que haver, efetivamente, uma aproximação crescente entre os dois ministérios. Somente assim, será possível ajustar a formação às demandas de saúde da nossa população. Nada disso, contudo, justifica a humilhação a que foi submetida toda uma categoria. Se alguém defendesse que o MJustiça, ou a OAB, passassem a determinar os caminhos das Escolas de Direito, todos considerariam isso uma afronta. Por que, na relação entre ENSINO/FORMAÇÃO MÉDICA com a ASSISTÊNCIA À SAÚDE, essa deformação deve ser aceita?

Mais difícil de entender, foi o voto de apoio da direção do CFM e da FENAM a esse ato dirigido contra os médicos. Como fica o CFM, quando, ao mesmo tempo, promove, junto com a ABP, Ação no STF contra o MS “em defesa dos médicos” e contra o funcionamento dos CAPS 3? Que estranha aliança foi essa de última hora. Que outros tipos de bônus estavam em jogo? Quando virão a público defender sua posição? Há mesmo, entre nós, muitos trânsfugas que se associaram ao discurso “anti-médico” apenas para obter vantagens pessoais ou de pequenos grupos.

Chega a ser anacrônico, ouvir membros de um governo que derrotou todas as políticas do “liberalismo econômico”, proferindo esse mesmo discurso que começa e termina pela desmoralização de tudo o que é público. A “Hidra” parece ter muito mais do que sete cabeças. Quem duvida da necessidade de algumas concessões em função da governabilidade? Há que perguntar sempre, porém: qual o limite para concessões em função dessa “governabilidade”? Será que o ódio de nossos colegas do MS para com a “Academia”² e os médicos é suficiente para que não vejam o absurdo que está se formando em torno dessa tal “Empresa”?

¹Esse bônus é uma espécie de “handicap” (deficiência a ser compensada), partindo do muito perverso princípio de que as pessoas, que escolhem o PMF, teriam uma desvantagem ou seriam menos competentes. Será que ainda acreditam nos “médicos de pés descalços”, produzidos pela China logo depois da Revolução? O propósito é nos humilhar e nos atirar uns contra os outros. Em MT, quando recapturam um boi que se tornou selvagem, durante o processo de sua humilhação, corta-se-lhe um pedaço da orelha. O bônus aprovado talvez atinja uma parte bem mais nobre de nossa “anatomia”.

²É sempre com um ar de deboche que proferem essa palavra. E têm razão. A tal “ACADEMIA” foi criada por Platão visando o afastamento do mundo e da vida. A filosofia precisou de milênios para superar o trauma do suplício de Sócrates. Quem quiser que se sinta orgulhoso de “pertencer à Academia”!

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ