Temas e Controvérsias

PESQUISANDO O SUICÍDIO EM MACAÉ E RIO DAS OSTRAS

Este estudo parte de referencial teórico e se baseia em duas observações:
1- Várias regiões (em diversos países, citados em artigo anterior), nas quais se verificaram elevações marcantes de taxas de suicídio, acompanhando grandes variações demográficas associadas à exploração de riquezas naturais.
2-grandes variações demográficas ocorridas em Macaé e Rio das Ostras nas últimas 4 décadas, quando suas populações multiplicaram-se cerca de 5 e 10 vezes, respectivamente; variações essas associadas à descoberta e exploração de petróleo (ver artigo anterior).

Esse fato já despertou interesse em várias áreas: impacto ambiental (não apenas pelo risco de acidentes com o petróleo, mas também pela explosão demográfica e ocupação não controlad a e planejada); infraestrutura e urbanismo e outras (“Impactos Ambientais da Exploração de Petróleo na Bacia de Campos” Juliana Marsico e outros). Recentemente, começaram a surgir informações até mesmo de expansão do uso e tráfico de drogas por lá. Não temos notícia de que algum estudo voltado à manifestação mais extrema de mal estar individual (associado ao coletivo) tenha sido empreendido naquela região: O SUICÍDIO (ideação, planejamento, tentativa e ” êxito”), tenha sido levado adiante.

Por não ser uma ocorrência muito frequente, bem menos de 10/100000/ano no Brasil, o suicídio, entre nós, não costuma chamar muita atenção. É bom ter em mente, entretanto, que, para cada suicídio, há várias pessoas que o tentaram (de maneira mais ou menos determinada) e muito mais ainda que apresentam ideação e planejamento do ato. A expressão está um pouco vulgarizada, mas se há um acontecimento que deve ser tratado como “a ponta de um iceberg”, é o suicídio. Que “iceberg”, então, seria esse (com a dureza de suas pedras e o frio do seu gelo)? O mal estar coletivo, associado à ANOMIA e ao colapso de muitos sonhos, passada a euforia das descobertas e os progressos dos primeiros anos. Ao lado desse dado, há um outro que torna essa pesquisa bastante confiável: o suicídio é relativamente fácil de caracterizar, desde que os peritos tenham exercido bem sua função e os investigadores estejam preparados para aprofundar o estudo de casos suspeitos.

Antes de mais nada, há que se informar quanto ao funcionamento dos dispositivos de saúde na região. Desde os mais mais primários, sejam públicos (ambulatórios, CAPS, Centros de Prevenção) e da própria Petrobrás (e demais empresas que a ela prestam serviços); até os que atendem às situações mais extremas: emergências, UTIs e também IMLs. Há que assinalar que esses últimos, contrariamente ao que muitos pensam, FAZEM PARTE DA REDE DE ASSISTÊNCIA, embora essa cultura não exista entre nós. Nossa existência, como seres sociais que somos, não se esgota em nossa morte. Uma boa caracterização da causa morte de alguém é o penúltimo ato de respeito a uma pessoa, sua família e seus amigos. Os rituais e cuidados com os mortos são um dos principais marcos do início da cultura e civilização.

Um dos maiores empecilhos para o estabelecimento das taxas de suicídio no Brasil é a subnotificação. Suas razões são várias: pouca tradição de pesquisa, resistência nos IMLs (por excesso de demanda, mas também por perda de valores e descaso) a receber casos suspeitos, especialmente quando procedentes de hospitais; ausência de procura ativa quando o suicídio não é muito óbvio e outras. A mais importante, porém, decorre de um mau entendimento do que seria aquele respeito (assinalado acima) pelo parente falecido: quando os membros de uma família se esforçam por esconder e dissimular um suicídio, cada um está mais preocupado consigo mesmo e dando apenas mais um passo na rede hipócrita que, certamente, influenciou a decisão pela morte. Nada mais fazem do que reproduzir, na morte, um abandono que já havia em vida. Se há alguma homenagem (não pelo ato em si, é claro) a prestar a alguém que chegou à situação extrema, é fazer desse ato um elemento de reflexão e mudança. HÁ UMA IMORALIDADE INTRÍNSECA NA DEFESA DA MENTIRA COMO REGRA. Também as igrejas, quando condenam o suicida, promovem mentira e hipocrisia. É até recomendável a condenação ao suicídio, nunca à pessoa suicida. Ela já terá se condenado o suficiente. Esse é, aliás, um bom princípio em geral, nas relações humanas: deixar de condenar as pessoas. Quando muito, criticar alguns de seus ATOS. Condenar uma pessoa, tende a macular todos os seus atos. Parece excesso de sutileza, mas essa condenação de pessoas está implícita na alegoria do inferno.

Depois de um levantamento dos dados de suicídio e de tentativas realizadas (junto aos IMLs, emergências e UTIs), seria feito estudo da evolução das taxas por décadas ou quinquênios nos dois municípios e, se possível, sua comparação com o ocorrido em pelo menos mais dois outros municípios relativamente próximos, cujas condições de vida não tenham sido alteradas de maneira muito marcante nas últimas décadas. Com isso, poder-se-ia ter uma idéia da magnitude do problema e da necessidade de ampliação da investigação. Essa seria a fase mais objetiva do trabalho, baseada em dados oficiais e registros médicos e médico-legais. A partir de então, e dependendo dos resultados obtidos, uma série de outras investigações, dirigidas a grupos mais restritos, podem ser desenvolvidas. A aplicação/validação de escala de risco (já elaborada, ver artigos anteriores) a alguns subgrupos, por exemplo, pode fornecer dados bastante originais—além dos tracionalmente investigados e conhecidos—como a comparação entre as pessoas originárias da região “versus” imigrantes; e, entre esses últimos, se há variações dependendo da procedência das pessoas.

Estamos ainda convencidos de que, indepententemente dos resultados obtidos, deve ser de interesse generalizado, especialmente dos órgãos públicos envolvidos e da Petrobrás, oferecer dispositivos de fácil acesso à população, voltados à prevenção e intervenção imediata, diante do risco iminente e/ou tentativa de suicídio. Quem promove tantas modificações nas condições de vida das pessoas—em princípio benéficas, mas potencialmente danosas, especialmente para certos grupamentos populacionais—deve ter por princípio tentar conhecer e dar uma resposta a possíveis problemas. Considerando que a UFRJ dispôe de campus avançado em Macaé e sua íntima relação com o IPUB-UFRJ, é natural que esse estudo seja dirigido por membros originários dos dois campi. Isso não impede que outros grupos de pesquisa, pertencentes a outras instituições públicas, sejam convidados a participar.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ