Há muito mais prejuízos associados à descoberta e exploração de petróleo do que o “mal holandês”! Além do estímulo à passividade e ao mero desfrute de uma “dádiva” da natureza (finita, diga-se de passagem); além dos inevitáveis males ao meio ambiente, há os males sociais e psicológicos que acompanham qualquer moderna “corrida do ouro”, especialmente quando referida ao “ouro negro”. O petróleo, tem deixado um rastro de muita destruição, especialmente nos locais onde é explorado. O levantamento preliminar (e puramente numérico) indica que as maiores alterações demográficas, associadas à exploração petrolífera no Brasil, deram-se em Macaé (de cerca de 47mil habitantes em 1970, para cerca de 170mil em 2007) e Rio das Ostras (de 7000 a mais de 70mil habitantes no mesmo período: fonte-IBGE e Fundação CIDE).
Do ponto de vista que mais deve nos interessar aqui, essa exploração tem induzido todas as mazelas que, historicamente, associamos à elevação do risco de violência social, uso de substâncias e, principalmente, SUICÍDIO: migração em massa; quebra súbita das formas de relação em uma sociedade; surgimento de periferias excluídas do processo e sem contato com o restante da “Polis”; destruição da “Polis” anteriormente existente, sem a criação de uma nova; competição desenfreada e fratricida; surgimento de áreas isoladas para moradores “de fora” (com seus clubes e condomínios fechados, cujo fim é manter os “forâneos” bem distantes dos “da terra“, chamados por alguns, aliás, de “minhocas“). Se existe, por falar nisso, um “mal holandês”, este último deveria ser chamado “MAL INGLÊS”. O país do “Forró” (“For all”, como querem alguns) não deve se render ao que há de pior entre os “valores” europeus.
Desde a obra clássica de Durkheim, é reconhecido o papel da ANOMIA (termo por ele mesmo cunhado) na tomada de decisão de um indivíduo pelo auto-extermínio. ANOMIA, então, seria a perda, por uma sociedade qualquer—mais ou menos rápidamente—de um certo “tecido social” que, sem que as próprias pessoas o percebam, sustenta a vida de cada um. Por isso, como ele mesmo demonstrou, a decisão final pelo suicídio está longe de ser individual. Só assim, podemos explicar que o SUICÍDIO SEJA O FENÔMENO DEMOGRÁFICO MAIS PREVISÍVEL DENTRE TODOS. Antes de se iniciar um ano, podemos afirmar, com pequena margem de erro, quantas pessoas irão se suicidar em um determinado país naquele ano (desde que se possa confiar no seu registro de dados, é claro). Haveria, em cada sociedade, uma “corrente suicidogênica” dependente do seu grau de competitividade, intolerância ao fracasso e segmentação da sociedade.
Um olhar para o que se passou em ALBERTA (CA), desde a década de 1960, porém, haverá de servir melhor ao nosso propósito, uma vez que se refere especificamente aos benefícios e malefícios que a descoberta e exploração de petróleo trouxeram à região. Há, entretanto, algumas diferenças importantes entre as duas situações: o petróleo em Alberta foi encontrado em leitos de rios e alagados (determinando problemas ambientais mais graves) e a população mais afetada foi a de aborígenes. Não temos propriamente aborígenes perto de Macaé (embora seja região de muitos SAMBAQUIS, que estão também ameaçados), mas há vários efeitos a serem estudados, provocados pelas rápidas mudanças ai verificadas nas últimas décadas.
Há, na população aborígene de Alberta, índices alarmantes de suicídios (40,5/100000/ano), especialmente entre jovens entre 20 e 29 anos (80,8). Um adolescente aborígene apresenta risco cinco vezes maior de dar cabo à própria vida do que os adolescentes canadenses não aborígenes. Também entre as mulheres daquele povo, há taxas muito elevadas de suicídio em relação ao restante da pop. Os aborígenes são submetidos 10 vezes mais a processos legais por violência, associada ou não ao alcoolismo (Canada’s Aboriginal Peoples, R. Barsch, Univ. Lethbridge), havendo nisso um fator racista reconhecido pelo autor. Como não tivemos acesso a dados sobre suicídio nessa população, anteriores à descoberta de petróleo, a relação específica entre os dois fatos não pode ser estabelecida com absoluta certeza.
¹ Quando um governo promove renúncia fiscal (padarias, termas, cabeleireiros e outros), montando a cerca de R$50 bi (desde 2007), perde muito da sua credibilidade para lutar por recursos devidos ao seu Estado. Que os Estados e Municípios também criem um fundo para aplicação criteriosa desses recursos segundo parâmetros previamente estabelecidos.
²Pode haver algum fundamento em não considerar o petróleo uma mercadoria. Todos os serviços (o S de ICMS), entretanto, relacionados à sua extração, acondicionamento, transporte, etc., são Serviços. Perguntamos: há recolhimento de impostos por essas atividades?