Temas e Controvérsias

PSICOMOTRICIDADE OU NEUROMOTRICIDADE? A PSIQUIATRIA SE REBAIXANDO!

(Qual dos dois termos é mais abrangente e fiel aos fenômenos a descrever?)

Psique portaEstá na moda, até entre psiquiatras, limitar a abrangência da psiquiatria em função de uma certa “objetividade” um tanto desviada de foco. É tendência que aparece em várias situações: profusão de imagens de cérebros e sistema nervoso (que antes eram apanágio da Neurologia); expressões como “neuropsiquiatria” e tantas outras manifestações. Além dos “ingênuos e inocentes úteis” (ao competidor, é claro), a Psiquiatria está povoada de “Cavalos de Troia”: pessoas que descobriram sua própria limitação na compreensão do ser humano e tentam fazer uma “psiquiatria à sua própria imagem e semelhança”. Eles têm seu espaço garantido, uma vez que, com a nossa diversificação e abrangência, múltiplos talentos podem criar seu próprio nicho de atuação na psiquiatria. Mas o que me parece mesmo estar em questão é a “onda positivista”* que tomou a medicina em geral e tem arrastado no vácuo a Psiquiatria de muitos países.

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O RISCO DA PERDA DE CONCEITOS

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As imagens não chegam a ser um problema maior. Bem pior é a violência que andam cometendo contra alguns dos CONCEITOS demarcadores de nossa especialidade. A última que ouvi foi: os movimentos anormais (tremores e “tics”, por exemplo) não deveriam ser discutidos em um exame psíquico, mas abordados apenas em um exame NEUROLÓGICO. Além disso, deveriam ser classificados como expressão de “NEUROMOTRICIDADE” em vez de PSICOMOTRICIDADE. Antes de tudo, há aí uma redundância: quer me parecer que, pelo menos entre os animais em geral, TODOS os movimentos não passivos (sejam eles intencionais ou não) são mediados por alguma…atividade neuronal. Sendo assim, neles estaria IMPLÍCITA a ação de…neurônios**. Outra consequência daquela denominação representa apenas mais uma “escorregada” na separação entre mente e corpo. Afinal, quando aqui excluímos o papel da mente (simbolizada no radical “PSICO”), estamos violentando muitos fatores, determinantes ou coadjuvantes, em todo movimento “não passivo” (pela ação de outrem). Pois se até para os REFLEXOS motores mais simples (patelar e outros) o estado mental em que a pessoa se encontra faz uma diferença na sua expressão! O que dizer ainda dos demais, inclusive para a musculatura lisa, ou das vísceras?! Será que alguém duvida da piora de tremores, por exemplo, quando de situação de maior estresse? São parte até dos critérios para síndrome de….ansiedade!

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O RISCO DE CAIR EM “PRECIOSISMOS”

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Mas, pensando bem, há um outro fator que pesa nesses esforços de criar critérios e redefinir manifestações clínicas: a procura por diferenciação por cada autor, podendo levar  a um PRECIOSISMO um tanto perigoso***. Eu mesmo não estou livre disso. Afinal, tenho tentado redefinir e conceituar muitos fenômenos de há muito descritos entre nós. O próprio texto que inicia este BLOG se denomina: “Glossário de termos e expressões: Controversos, Inapropriados, ou mesmo Errados, de uso corrente em Psiquiatria”:

(http://www.ipub.ufrj.br/portal/ensino-e-pesquisa/ensino/residencia-medica/blog/item/52-gloss%C3%A1rio-de-express%C3%B5es-e-termos-controversos-inapropriados-ou-mesmo-errados-de-uso-corrente-em-psiquiatria).

Conta já com 32 verbetes e mais de 30.000 visualizações. O maior fator de risco, nesse caso, encontra-se na perda do senso de medida e não respeito a certos PRINCÍPIOS norteadores, como no caso aqui discutido. Só para firmar bem o PRINCÍPIO (já citado), qual teria sido aquele desrespeitado nessa defesa de NEUROMOTRICIDADE em oposição à PSICOMOTRICIDADE? A rigor, seriam 2: descuido com o fato dos ESTADOS MENTAIS estarem sempre envolvidos (mais ou menos intensamente nos movimentos NÃO PASSIVOS e a não observância da redundância implícita no termo “neuromotricidade”.

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E O PRECIOSISMO? ONDE ELE SE MANIFESTA?

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Só para não perder a oportunidade, recentemente entrei em uma discussão com Residentes em Psiquiatria quanto à aplicação da expressão “labilidade afetiva” a algumas manifestações em pacientes em episódio maníaco franco e pleno. A manutenção de um estado de elevação permanente do humor, associado à variação de expressão de AFETOS afins, como: raiva momentânea, jactância, jocosidade, sensação de superioridade e outros, fora classificada como “labilidade afetiva”****. Não acho razoável! A possibilidade de variação súbita é da própria índole dos afetos em geral. Podemos estar muito alegres em uma festa e, ao sermos provocados (por um invejoso, por exemplo), passar para uma raiva súbita; podemos estar muito alegres e passar para uma tristeza profunda diante de um acontecimento trágico, e assim por diante. Que um paciente naquele estado varie na expressão entre os afetos citados, é também absolutamente o esperado.

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Tentando ser muito restritivo no uso de conceitos, de maneira até a que eles não se esgarcem perigosamente, diria que a verdeira LABILIDADE AFETIVA implica uma variação súbita entre EXTREMOS, sem motivo aparente e com quase invariável retorno ao afeto predominante. Assim, vemos muitos pacientes em mania passarem subitamente dos afetos citados lá em cima para um choro convulso, do qual também costumam retornar prontamente. O mesmo se pode dizer das expressões um tanto teatrais de amor em um dito “Borderline” quando são substituídas por um ódio (também súbito) diante de uma negativa qualquer, ou ainda em pacientes apresentando sequela por AVE que passam do riso ao choro voltando ao riso em segundos. Alguns dirão que, nesse caso, caio em preciosismo. Talvez, mas uma coisa é certa: a manifestação aqui caracterizada é muito bem delineada e não redundante. Sempre que eu a usar, todos saberão exatamente a que estou me referindo. Esse é o objetivo quando alguém se esforça na boa denominação.

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*Terem inventado a expressão “afetos negativos” para classificar: tristeza, raiva e outros, representou a maior e mais absurda manifestação desse POSITIVISMO TOSCO. Gosto de perguntar: quantos “afetos negativos” são necessário para alguém pintar o “Trigal com Corvos”? E os Ciprestes? E as Marchas Fúnebres (Beethoven e Chopin)? O mundinho dos positivistas (“Eu estou OK! Você está OK?”) é tão sem graça!!!

**Certamente acontecem transmissões de estímulos entre células não neuronais (propriamente ditas) através de membranas e por contiguidade, especialmente em seres muito pouco diferenciados. Entrego a questão a quem saiba melhor do assunto. Questionar o que é dito aqui, entretanto, com base nesse argumento seria um preciosismo inaceitável.

***A última que me chegou foi a invenção de um item de anamnese denominado “H. Psiquiátrica Pregressa” cujo poder desorganizador do pensamento me parece enorme. Será que desconhecem o fato de que os Transt. Psiquiátricos (propriamente ditos) são de instalação lenta (crônica, refere-se à rapidez da instalação) e evolução por muito longos períodos, senão pela vida afora? A princípio vi somente uma possível utilidade sua: pacientes em delirium (origem orgânica) que tivessem uma h. psiquiátrica prévia podendo complicar o diagnóstico. Mesmo aqui, o conceito só serve para atrapalhar: melhor é estabelecer o PRINCÍPIO: diante de um delirium, o único diagnóstico permitido é ele mesmo. Os demais deverão ser considerados quando da resolução deste.

****O termo “LABILIDADE” deve ser associado aos AFETOS, assim como “INCONTINÊNCIA” se aplica somente às EMOÇÕES, pois composto por “E“, “para fora”: exalar, exaltar, eminência, evidência (aquilo que “salta aos olhos”) e “MOÇÃO“, do verbo “movere” (ligado a movimento). Ou seja, incontinência emocional implica além de um sentimento, um movimento que, ao ser disparado, gera condutas potencialmente lesivas para o próprio e/ou outrem, necessitando de uma intervenção externa para fazê-lo cessar.

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ