Temas e Controvérsias

SUICÍDIO: QUESTÕES A PARTIR DE UMA APRESENTAÇÃO-HPJ

(Como atuar diante de um risco iminente e palpável!)
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Ao final da minha apresentação no belo e funcional Anf. NOBRE DE MELLO daquele hospital, vários colegas da área de saúde (mas talvez não somente, uma vez que fui questionado sobre a GEOGRAFIA DO SUICÍDIO) levantaram questões muito pertinentes sobre as quais fiquei refletindo posteriormente. Seu título: “Quatro Afirmações para um Suicida em Potencial”-“Um Encontro na Estrada”, inspirado no final do “Ilusões Perdidas” (H. de Balzac) quando a intervenção de um livre pensador consegue dar novo sentido à vida de um jovem que acabou de conhecer e se preparava para o suicídio. A algumas das questões tenho a impressão de ter respondido suficientemente, a outras, não. Essa a principal razão deste texto.  O anfiteatro estava totalmente lotado, mas ainda não disponho de foto para ilustrar a matéria.
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O SUICÍDIO E O “SENTIDO” DA AGRESSIVIDADE
Uma colega reportou formulação teórica que obteve ampla aceitação por um longo tempo: o direcionamento da agressividade “para fora” (para outras pessoas) protegeria alguns da sua volta contra o próprio? Tal formulação se baseava também na observação da ocorrência de uma oposição entre certos grupos sociais da frequência de HOMICÍDIOS (entre negros nos EUA, ver BLACK SUICIDE, H. Hendin, 1961) e a de SUICÍDIOS: os brancos se suicidavam muito mais do que os negros, enquanto esses morriam muito mais por homicídio. Outras pesquisas, entretanto, mostraram que o risco para o suicídio é bem mais elevado na população carcerária (especialmente entre os homicidas) do que na população em geral, inclusive no Brasil onde houve uma elevação considerável das suas taxas recentemente.
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Dei-me conta, ainda, de que a própria formulação de FREUD em “LUTO E MELANCOLIA” sugere fortemente não haver lastro teórico para a crença. É ali que a investigação psicológica do mestre promove um avanço enorme da compreensão do processo pelo qual uma pessoa pode chegar até a auto eliminação*. É difícil dizer o que é mais importante naquela obra, mas uma de suas teses principais me parece ser a dificuldade de separação entre o EU e o OBJETO do amor (especialmente nos casos estudados daquilo que chamou melancolia): 1- atribuição a si mesmo de traços “condenáveis” muito mais típicos no (a) companheiro (a); 2- o tratar a si mesmo como um objeto no próprio ato suicida; 3- o IDEAL DO EU que tortura e pode como que condenar alguém à morte. Ou seja: “proteger” o objeto de amor seria muito importante (em muitos casos) para a nossa própria preservação diretamente. Mais do que isso: preservar o objeto do amor seria essencial para nossa própria proteção. Afinal, tantos são os casos nos quais um suicídio se segue ao assassinato da pessoa que alguém diz amar! De lamentar é que Freud não tenha mais voltado ao tema do SUICÍDIO especificamente (apenas duas pequenas observações a partir de um Simpósio promovido por discípulos, nos quais não aprofunda muito a investigação) e que o ato em si ocupe espaço tão pequeno em sua grande obra. A acrescentar, e reforçando a tese da não separação entre EU e OBJETO, os investigadores dos homicídios sabem muito bem que, na imensa maioria das vezes, seu autor é pessoa muito próxima da vítima. De qualquer maneira, é assunto em discussão e não tenho a pretensão de tê-lo esgotado.
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A IMPORTÂNCIA DO FALAR: “ESTOU CANSADO DE EXISTIR!”
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​Estava em questão minha afirmação: conseguir falar na ideação suicida e nos dramas pessoais que a ele poderiam levar (em um caso particular) ajuda na abordagem e elaboração da situação. Baseava-me nos seguintes PRINCÍPIOS: 1-o suicídio é um tipo de “Acting Out” (um drama que não encontra palavras para se expressar termina por se tornar ATO); 2- a verbalização é já uma forma de começar a “tomar posse” da situação, como verificado nas psicoterapias em geral. Afinal “No início, era o VERBO”. Prof Raldo Bonifácio relatou caso que abalava a convicção e uma RMulti citou um outro caso no qual a verbalização não foi suficiente para modificar o terrível desfecho. Depois da apresentação ela mesma referiu a sentença frequentemente repetida pelo paciente que se suicidou: “Estou cansado de EXISTIR!”. Nunca tive a pretensão de ter descoberto um antídoto absoluto contra o desfecho de um suicídio, mas continuo apostando na comunicação: é o que mais dá sentido à vida.
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É sempre bom lembrar que, nesses casos, andamos como que numa “corda bamba”; nós e o paciente. Havia, sim, algo a dizer que poderia mudar um curso. Antes de tudo, há que valorizar o drama (quase tragédia) e sua PROFUNDIDADE. Eu começaria por CONCORDAR com ele:  “V. tem razão! O MERAMENTE EXISTIR é absolutamente insuportável! Mas, a rigor, ninguém meramente existe. Todos estamos SEMPRE mudando as coisas à nossa volta. Apenas não nos damos conta disso. Antes mesmo de nascer, já estamos interferindo profundamente num mundo que sequer conhecemos e cujo ar ainda não respiramos. Você certamente tem muito a fazer nessa vida….”. Lembrei-me até de uma MR do primeiro ano no IPUB, na qual percebi um sério drama e intervim diretamente (sem ser solicitado): Resposta: “O que eu faço não muda nada nas coisas!”“Já pensou no bom efeito que você causa à sua volta, mesmo sem reparar?”Tinha (e tem) ela um perfil que me lembrou Stendhal: “Esta ausência de todo interesse vil, capaz de operar uma inversão nos sentimentos…é uma das punições que o Céu parece ter prazer em infligir às almas depuradas”(“Armance”). Acompanhei a situação à distância e as coisas seguiram bem, aparentemente. 
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Falemos da FILOSOFIA: a concepção de uma “existência para além do mundo sensível” nos reporta à ideia medieval da ALMA imutável e eterna. Sofreu uma nova “roupagem” em um dos períodos mais terríveis da humanidade, quando a vontade de um homem (cercado de seres que meramente “existiam”) tentou se impor ao mundo. Não por acaso, o pensador considerado fundador do EXISTENCIALISMO alemão era um apoiador do FÜHER; foi membro do partido nazista, tendo até tirado fotos com o uniforme nazista e o típico bigode de seu “quase deus”. Além disso, e em que houvesse a intenção, o caso do paciente citado terminou por exemplificar uma das minhas teses principais, associada à compreensão do porquê dos suicidas parecerem ter melhorado sensivelmente nos seus últimos dias (a partir da tomada da decisão pelo ato): depois de muito tempo sentindo-se um ser totalmente “desempoderado” e de tomar a decisão, o suicida se sente novamente uma pessoa de ação (a rigor, aquilo para o que todos viemos ao mundo, sempre). Essa atitude geral e algumas condutas em particular, como dar seus objetos para outras pessoas e expressões de despedida, devem ser suficientes para como que acender um alerta.
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A TECNOLOGIA E A LUTA PELA INDIVIDUAÇÃO
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A partir de questão baseada em boa argumentação, digo que não brigo com a tecnologia e até a uso bastante. Mas resisto muito ao seu avanço desmedido e rápido demais: quando é ao ponto de atropelar as pessoas. A maior questão da vida continua sendo aquela que o poeta/pensador Nietzsche resumiu na sentença: “TORNA-TE O QUE ÉS” e eu complementaria (certamente atrapalhando): descubra todas as suas disposições e talentos; tente deles tomar posse; não se envergonhe nunca de você mesmo; qualquer ideal que tenha ou abrace precisa respeitar suas disposições! Nesse processo, há que sempre se perguntar: estamos usando (ou jogando com) os aparelhos, ou são eles que estão jogando conosco e nos manipulando? E isso, só uma sintonia muito fina com nossos sentimentos mais profundos pode nos dizer. Por fim citei Gilberto Gil, ao final da década de 1960: “O Cérebro Eletrônico:
“…Só eu posso pensar/Se Deus existe/Só eu posso chorar/Quando estou triste/Eu cá com meus botões/De carne e osso/Eu falo e ouço/Eu penso e posso/Eu posso decidir/Se vivo ou morro por que/Porque sou vivo/E Vivo pra cachorro/E sei que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro/No meu caminho inevitável para a morte/Porque sou vivo/Sou muito vivo e sei/Que a morte é nosso impulso primitivo…” 

Vice- Diretor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ