Arte e Cultura

ATOS TERRORISTAS? SÓ OS “OFICIAIS”!

(E as “JORNADAS DE JUNHO” enterraram a “lei Antiterrorista”)
Márcio Amaral
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Explosão do Hotel King David (Jerusalém, 1946) por um grupo terrorista Sionista contra ingleses
Explosão do Hotel King David (Jerusalém, 1946) por um grupo terrorista Sionista contra ingleses

Em “Tempos de Snowden”, a Lei Antiterrorismo (que está para ser votada) parece uma brincadeira. Diz um de seus artigos: “…violar, bloquear ou dificultar o acesso a páginas da internet, sistema de informática ou banco de dados utilizado pela organização dos eventos”, implicando pena de um a quatro anos de prisão. Que seja preparada uma minuta de carta precatória a OBAMA! Destinava-se à defesa da FIFA. Mais um pouco, e ela, durante a Copa, criaria aqui um “Tribunal de Exceção” à maneira de Nuremberg. Afinal, se lhe deram tanto poder e lhe entregaram partes do território nacional—para administrar diretamente e segundo suas próprias “leis”—por que não lhe entregariam também o poder de julgamento e execução de penas? “Ou ficar à Patria livre…”……..”Verás que um filho seu…”. As consequências das “GRANDES JORNADAS DE JUNHO” ainda não foram todas contabilizadas. Não as desmereçamos somente porque governos não caíram. Um dia todo o mundo há de nos agradecer: o Brasil e as Copas do Mundo nunca mais serão os mesmos.
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Mas tudo isso nos obriga a tentar dizer o que seria um ATO TERRORISTA. Quem decide o que eles são? Os poderosos; aqueles que tudo fazem para manter as populações sob controle (o mais restritivo possível), de maneira a preservar seus próprios privilégios? Qualquer um sabe que, se as coisas continuassem a se organizar segundo esses interesses, os absurdos cometidos pelos governos e empresas só fariam se agravar. Já as pessoas que têm preocupação mais científica sabem também que todo bom conceito (de terrorismo, no caso em questão) deve ser o mais específico e restritivo possível, delimitando-o com clareza. A coisa é tão grave, que não devem existir “Terrorismos lato sensu”. A lei buscava exatamente ampliar desmedidamente esse critério para amedrontar as pessoas. Há que se ter esse cuidado também em relação às manifestações de qualquer povo.
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Confesso que cheguei a pensar em definir o terrorismo, mas vou me limitar a dizer o que julgo ele não ser, a partir de alguns critérios (exclusivamente meus: quem quiser que sugira outros): 1-tem por objetivo abalar um poder constituído (ainda que ilegítimo) e se restringe à situação civil, embora possa atingir militares (sejam acupantes externos ou opressores internos); 2-pode ser dirigido a quartéis, mas só receberia essa denominação quando se desse dentro de cidades (fora de cidades, seria ato de guerra); 3-é imprescindível o elemento de subitaneidade e surpresa, envolvendo poucas (ou apenas uma) pessoas no lugar específico e sem a intenção do enfrentamento propriamente dito ou tomada de uma posição física qualquer. Dessa forma: 1-em campos de batalha, não há terrorismo, apenas atos de guerra; 2- em manifestações populares, também não há terrorismos: o que pode haver são apenas atos de maior ou menor vandalismo*; 3- Nos atos contra próprios públicos ou privados, há que diferenciar sabotagem (lenta e não espetaculosa) de terrorismo.
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Já que desisti de definir o termo, fiquemos nas suas expressões indiscutíveis. Seu elemento mais típico é a bomba: especialmente quando aplicada em áreas civis (embora possa visar exclusivamente militares, como nos comboios que cruzam cidades) e atingindo pessoas quase indicriminadamente, embora dirigidas a alguns “grupos preferenciais”. Por isso mesmo, é sempre associado a um HORROR generalizado e, efetivamente, é mesmo de causar horror a qualquer pessoa. Sim, é verdade, mas, quando de uma invasão e ocupação estrangeiras; quando não há recursos para o enfrentamento em campo aberto (dada uma disparidade grande demais entre as forças) e quando toda uma cultura está ameaçada por invasores, o recurso a ele pode se tornar legítimo.
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Não conheço seu uso mais legítimo do que o aplicado pelos argelinos contra a ocupação francesa e os pied noir: franceses nascidos e criados na Argélia, mas que tratavam os argelinos como inferiores e eram defensores da ocupação francesa. A nota mais triste é que, poucos anos antes, os mesmos argelinos haviam participado da libertação da França! Essa talvez seja uma das páginas mais vergonhosas da França. Para que se veja como é difícil essa definição, os chineses devem considerar ATO TERRORISTA a autoimolação dos monges tibetanos (contra a destruição de sua cultura pela ocupação chinesa), pois seus guardas de ocupação passaram a portar pequenos extintores para apagar o fogo ateado.
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Os ocidentais se esqueceram muito rapidamente do “Terror Sionista”, aplicado para expulsar os ingleses da Palestina, quando do processo de criação de Israel e também de que M. Begin, que se tornou primeiro-ministro, dirigiu um desses grupos, cujo ato mais espetacular foi a explosão de um hotel. Ali foram mortos indiscriminadamente: 28 britânicos, 41 árabes, 17 judeus e mais 5 de outras nacionalidades, e dezenas feridos gravemente**. Já o ato mais sórdido daquela organização foi o assassinato do emissário da ONU para avaliar as condições no local, o sueco Conde Bernadotte (1948). Ele, que fora disposto à defesa dos interesses de Israel (havia libertado dezenas de milhares de judeus de campos de concentração) teria ficado tão horrorizado com a situação dos palestinos, que mudou sua tendência completamente. Balearam-no mortalmente. SEU CORPO VOLTOU PARA A SUÉCIA EM UM CAIXÃO. Quando li sobre o assunto e vi sua imagem sorridente na chegada e em boa parte das visitas, fiquei horrorizado e surpreendido: como é possível que não se fale de um assunto como esses; e também que, na própria Suécia, esse acontecimento seja quase completamente desconhecido? Que homenagem a ONU presta àquele grande mártir? Homenageiam muito ao brasileiro Vieira de Mello, morto no Iraque e segundo alguns, servindo aos interesses norte-americanos (não tenho condições de julgar) e se esquecem do Conde Bernadotte! A quem interessa que esse acontecimento seja esquecido?
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REPRESENTAÇÃO: A PALAVRA-CHAVE
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O mais difícil, em uma discussão que envolve tantos dramas e tragédias, é conseguir pensar nas razões dos outros e não se deixar levar por preconceitos. Por essa razão, procuro sempre por algum princípio norteador de avaliações. Com isso, deixo o julgamento (no caso, do terrorismo em si) e olho as coisas a partir da seguinte questão: um ato qualquer, de natureza política, é olhado por um povo (uma cultura e/ou nação) como REPRESENTANDO seus próprios interesses? Sentem-se, os membros daquele povo, com ele identificados? Se a resposta é NÃO, então aquele ato já não é, em princípio, legítimo, mas apenas fruto de ressentimento e ódio. Assim, por mais razões que as pessoas tenham para ter raiva das marcas de roupa, que exploram mão de obra em semi-escravidão em Bangladesh e outros lugares, se os brasileiros, em geral, não entendem, aceitam e aprovam o ataque às lojas daquela indústria, a conduta é absolutamente contraproducente e criticável.
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Conde Bernadotte
Conde Bernadotte

F. Engels, apesar de totalmente ligado às lutas irlandesas contra a ocupação e opressão inglesa, condenou fortemente um ato terrorista perpetrado contra uma boate na qual morreram muitos ingleses, mas também civis não envolvidos com a ocupação. Seu critério: somente se atacam combatentes (E. Hobsbawn, “Sobre História”). Matar civis nunca seria justificado. É uma questão não de todo resolvida. O argelinos, quando explodiram bares—terminando por expulsar os franceses—consideravam os pied noir, apesar de civis e “não combatentes”, a sustentação do inimigo a afastar. Quem puder ver o filme “O Exército do Crime” sobre um grupo de estrangeiros que atacou, na Paris ocupada, os nazistas causando grandes baixas, faça-o. Em uma das belas cenas, os possíveis terroristas entram em um bordel cheio de altas patentes nazistas, mas não conseguem fazer detonar as granadas por solidariedade com as mulheres. E como os franceses também ficaram mal nessa história toda!
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Por fim, seu uso como elemento de política interna em qualquer país, por mais arbitrário e ilegítimo que seja um governo, tende a ser totalmente contra-producente. Basta a observação dos seus efeitos no Brasil, Argentina, Uruguai, etc., nos quais os atos terroristas—e apesar do louvor que as pessoas dispostas a esse martírio mereçam—somente levaram ao endurecimento do regime e acuamento ainda maior das pessoas e da sociedade em geral.
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*Esta palavra, por exemplo, é bem um exemplo do perigo que representa entregar as definições e denominações aos poderosos e “muito interessados”. O Vândalos, quando invadiram Roma em 455 (sob o comando de Genserico), não cometeram qualquer ato dos que depois foram associados ao nome do seu povo. Barbárie foi o que o Império Romano tornou regra para todo os impérios do mundo, desde suas conquistas. Ver o seriado da BBC, por Terry Jones, demonstrando que os assim chamados “Bárbaros” tinham grandes culturas e também a destruição causada por Roma onde quer que tenha chegado.
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**Imperdoável mesmo foi um evento comemorativo dos 60 anos (2006) do atentado e a colocação de uma placa comemorativa no local, promovido B. Netanyahu. Soou como uma ofensa às famílias dos mortos. A única coisa cabível, nesse caso, quer me parecer que seria uma ato (e placa) de consternação em relação às situações humanas que podem levar seres humanos àquele tipo de ato. Os ingleses, sempre tão violentos para com outros povos, além de saírem da Palestina “com o rabo entre as pernas”, fizeram, em 2006, um pífio protesto, dizendo ter se tratado de um ato terrorista. Grande novidade! Os interesses e o apoio dos EUA pesaram mais do que o senso de dignidade.

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