Arte e Cultura

BBC-LITERATURA: OS 100 + B…B…C…D…E……Zzzz!

(Mas com alguns “AAs” também…só prá despistar?!)

Márcio Amaral, vice-diretor IPUB

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Uma lista apresentando livros—cuja leitura indicaria estar uma pessoa em um “outro patamar” em relação à imensa maioria—que coloque lado a lado “ANA KARENINA” e “O SENHOR DOS ANÉIS” não pode ser levada a sério. A lista aqui discutida certamente foi elaborada por editores. Visa, antes de tudo, vender livros…! Mas…Se fosse só isso, o problema seria menor: algo como os vendedores de rua que nos abordam dizendo que estão fazendo uma “pesquisa” com isso fisgando alguns incautos. O problema, aqui é, em verdade, bem maior, pois envolve o velho “império onde o sol nunca se põe”. A fórmula para essa “pescaria” é bem simples: partir do estímulo à VAIDADE que todos temos; gerar uma curiosidade associada a uma tarefa na qual estamos sendo avaliados; incluir algumas “pepitas de ouro” (iscas) na lista e assim fazer passar “de contrabando” um monte de lixo apresentado como sendo maravilha! Considerando: o número de obra medíocres (para dizer o mínimo) e a expectativa de que tenham lido 6 delas, diria haver “N” combinações que podem criar um “BBCil” ou um “BoBoÇal”.

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Ver em: https://www.revistabula.com/14544-desafio-da-bbc-voce-leu-no-maximo-seis-desses-100-livros/

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CADÊ “D. QUIXOTE”?…E O “VERMELHO E O NEGRO”!

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A BBC está de brincadeira! D. Quixote é, depois da Bíblia, o livro mais lido na história. Mas isso é pouco. Por esse critério, por que não “O MAGO”? O “Homem de La Mancha” é o personagem mais conhecido (e mais retratado) da história e seu lirismo mudou o mundo ao enterrar um outro que já estava bem caduco. Apesar dos grandes personagens criados por Shakespeare, nenhum chegou àquela altura…nem ele tinha essa preocupação. Ingleses não gostam que lhes façam sombra. E quem pode fazer sombra ao grande bardo*? Mas essa parece ter sido apenas uma escorregada inconsequente. Bem pior é a exclusão daquele que é simplesmente o criador do romance moderno: STENDHAL com seus “O VERMELHO E O NEGRO” e “CARTUXA DE PARMA”, este sobre as guerras napoleônicas.  Sem ele, disse L. Tolstói: “Eu não teria escrito Guerra e Paz”. Até então, no terreno do romance, tinham ocorrido apenas algumas tentativas não muito bem sucedidas, como “AFINIDADES ELETIVAS” de Goethe. Mas romance mesmo (trama complexa, com múltiplas vertentes contrapontísticas e grandes personagens se movendo sobre o fundo da história de uma região e investigação psicológica profunda) só a partir de Stendhal: “O romance é um grande espelho que se faz passear ao longo de uma estrada” (do próprio**). As grandes obras, aliás, são aquelas às quais sempre retornamos com prazer.

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E TODA A ANTIGUIDADE? A CULTURA COMEÇOU COM SHAKESPEARE?

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Essa exclusão dá até para rir! Como aquilo que chamamos CULTURA UNIVERSAL é eminentemente GRECO-LATINA, a ANTIGUIDADE parece simplesmente “não existir” para os ingleses. Eles são como aqueles que “pegaram uma carona“ e fazem questão de dirigir o ônibus. Não me refiro nem à “ILÍADA” ou à “ODISSEIA” de difícil leitura. Quem sabe a “ENEIDA” de Virgílio? E já que falei deste, que falta faria, em qualquer lista, a “A DIVINA COMÉDIA” de DANTE e sua descida ao INFERNO guiado por Virgílio? Acho que os ingleses andam precisando mesmo é de um guia literário! Assim, quem sabe descobrirão haver um mundo para além da sua ilha? Dirão alguns ser aquele um livro de poesia épico/alegórica, mas se incluíram teatro e poesia na lista através do “HAMLET”? E já que Hamlet está lá, o “FAUSTO” (Goethe) seria uma ótima companhia, pois é uma das obras de arte mais importantes de sua época. E o “MARIA STUART” de Schiller?! Entre outras coisas, há naquela lista uma enorme falta de critério. É sempre bom lembrar que mais da metade do vocabulário da bela língua inglesa é de origem…latina, a maior parte incorporada a partir da influência francesa. E como invejam os franceses!

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H. BALZAC, P. MERRIMÉE, G. MAUPASSANT, M. PROUST…!?

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Esses ingleses! Continuam apenas…tão ingleses! Se não há ali a “DIVINA COMÉDIA”, muito menos “A COMÉDIA HUMANA” de H. Balzac. Bastavam alguns poucos de seus itens: “Ilusões Perdidas”, “Père Goriot”, “Coronel Chabert” (há um excelente filme nele baseado, com G. Depardieu)… E então eu começo a achar que os ingleses que fizeram aquela lista eram, antes de tudo, preguiçosos e rasos. Sequer devem ter lido essas obras. Se o tivessem… nunca mais as esqueceriam. Talvez não tenham profundidade suficiente para alcançá-las. Pararam no meio, pois eram “chatas e maçantes”? O que dizer da “CARMEM” (que não é somente ópera) e das “Crônicas do Reinado de Carlos IX” de P. Merrimée, criando grandes personagens durante as guerras religiosas que resultaram no massacre da NOITE DE S. BARTOLOMEU?

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De repente me dei conta: os ingleses não perdoam mesmo são seus desafetos; aqueles que os apresentaram, sem qualquer véu, nas caricaturas em se transformaram. Ninguém o fez melhor do que Guy de Maupassant no conto “Miss Harriet”:uma inglesa seca e ultra formal (a impressão que temos é de quase um “robot” repetindo frases decoradas) vem viver na França e cai, ela mesma, em uma paixão com a qual não consegue lidar. Por fim, atira-se de ponta cabeça em um poço. O romance “BEL AMI”— do mesmo autor e talvez a primeira obra do séc. XX embora tenha sido escrito no final do XIX—deveria constar de qualquer antologia literária respeitável. E já que falamos em “robot”, não custa lembrar a anedota do maior poeta lírico, H. Heine (judeu alemão): um cientista inglês teria criado um robot quase perfeito, pois conseguia repetir à perfeição os gestos de um “gentleman” (este mesmo já um tanto robotizado). Mas o cientista fracassou em dar-lhe uma alma (pois se ele mesmo tinha perdido a sua!). Por fim, o robot atravessou o canal e passou a agarrar pessoas nas ruas implorando GIVE ME A SOUL….!”O próprio Heine, aliás, com o seu “OS DEUSES NO EXÍLIO” também seria obrigatório em antologias respeitáveis. Querem uma prova de que ali não cabem desafetos dos ingleses? Cito um autor de língua inglesa (pois irlandês): O. Wilde (“O RETRATO DE D. GRAY”) contra quem os ingleses cometeram horrores na sua prisão por ser homossexual. E quantas verdades contou em “De Profundis Clamavi“.

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E OS RUSSOS? ESQUECERAM PUCHKIN, GOGOL, TCHECÓV…

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Que os grandes russos estão ali quase que apenas para “embrulhar” ingleses e americanos em papel de presente (“de Grego”, é claro) fica óbvio pela exclusão dos acima. A exclusão de “A FILHA DO CAPITÃO” (Puchkin) e “ALMAS MORTAS” (Gogol) de uma lista qualquer depõe contra a própria. Já Tchekóv é considerado um dos maiores contistas de todos os tempos. E que maravilha de teatro produziu! Mesmo para Dostoiévski: não incluir ali “OS IRMÃOS KARAMAZÓV” parece uma brincadeira. Quase confirma a hipótese: eles mesmos não leram a obra. Se a tivessem lido…talvez se tornassem um pouquinho mais…universais e menos… ingleses.

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KAFKIANO!…ALIÁS, QUEM VIU KAFKA POR ALI? 

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Quanto mais vou fazendo associações, mais a tal lista vai se tornando ridícula. A importância desse aí de cima ninguém precisa reafirmar. E ele já passou por todos os testes do tempo. Existe como que uma “peneira do tempo” para as artes: só fica aquilo que tem mesmo importância, por mais que os ingleses fiquem como que “soprando balões” para que não caiam. Posso afirmar: para mais da metade daqueles ali da lista…daqui a 50 anos ninguém mais terá sequer ouvido falar a respeito. E  o contemporâneo de Kafka, PROUST? Da sua importância também não preciso falar. Espero que isso aqui não seja uma busca por um tempo perdido!!!  Aquela lista precisava mesmo era de uma METAMORFOSE ao contrário!

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E OS BRASILEIROS? TERIAM LUGAR EM LISTAS INTERNACIONAIS

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No terreno do romance***, teríamos pelo menos 5 títulos e nomes que não fariam vergonha em qualquer lista: “D. CASMURRO” (Machado), “O TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA” (L. Barreto), “GRANDE SERTÃO…VEREDAS” (G. Rosa), “ANGÚSTIA” (G. Ramos) e AGOSTO (R. Fonseca). Esse último é de uma modernidade impressionante e inovadora. Ao tornar cada dia do AGOSTO fatídico para G. Vargas e para o Brasil em um capítulo, com personagens e dramas pessoais altamente convincentes, inovou sem artifícios. Por fim: como não tenho preocupações com prêmios; não somos piores por falta de um NOBEL****, a CULTURA popular é bem mais importante e nesse quesito… Além disso, costumo olhar tudo também “pelo lado do avesso” e, por isso mesmo, digo a respeito do nosso papel na arte mundial: “Pobres dos europeus que não conhecem as maravilhas que produzimos para além da música! Já nós…como temos acesso (direta ou indiretamente) às grandes obras que produziram, acho que estamos no lucro”.

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*Quem tentou atacá-lo foram os próprios ingleses não conformados com sua origem simples e de homem do povo. Quiseram até inventar um nobre para assumir o seu papel. Já imaginaram um “SIR SHAKESPEARE”? Não se conformam bem até hoje.

**Trata-se, em verdade, de uma citação do cap. XIII de “O Vermelho e o Negro” original de Saint Real

***Na poesia, então, e com os 5 modernistas: Bandeira, Mário, Quintana, Drummond e Cecília (essa não tão

modernista assim), estaríamos entre os primeiros, pelo menos no século XX.
****De prêmio NOBEL, lembro que Tolstói foi preterido (estava pouco se importando com isso) por  ter cometido o abuso de criticar duramente as religiões.

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