(Enfim um Papa que sabe sorrir: “Tudo muito humano…!”)
Márcio Amaral
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O Vaticano diz (se é que se pode dizer assim) cada coisa! Para justificar a lentidão das decisões dos Conclaves, liberaram oficialmente a sentença: “Os Conclaves não seguem o tempo da mídia, mas o tempo de Deus!”. Há nisso pelo menos duas aberrações:
1-expressa a certeza de que tem a chave e a comunicação direta com Deus. E dizer que uma das frases que todo Papa, ao ser eleito, precisa pronunciar é “Sou um pecador, mas como fui chamado a essa responsabilidade, digo que aceito”!
2-Deus, segundo todos os teólogos, estaria para além e aquém de qualquer tempo. Esse foi, aliás, o ponto central de uma controvérsia em que G.Leibniz demoliu a “filosofia” que Sir I. Newton tentou edificar*. Convenhamos! Havia uma soberba nada divina na sentença do Vaticano. Que Deus os perdoe!
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Voltemos às chaves! Se há uma instituição humana (muito humana) que anda precisando de um ” choque de Glasnost” (Transparência), é o Vaticano! Tudo sombrio, mas em nome daquele que nos trouxe luz e para a luz! Tudo escondido, mas em nome daquele que veio para revelar a VERDADE. Acho que entenderam muito mal a controvérsia do séc. XII entre ABELARDO E SANTO ANSELMO versando sobre o papel da RAZÃO e dos MISTÉRIOS da fé nas relações com Deus…Mas, continuemos! Dentre as bizarrices e aberrações cometidas pelo Papa que renunciou (até depois da saída já decidida) estão: a nomeação do presidente do banco do Vaticano e a contratação de uma assessoria de bancos suíços! Já não bastava a Guarda Suíça!? Tinham que contratar os maiores especialistas em: sonegação, lavagem de dinheiro e “otras cositas más” (vamos falar a língua do novo Papa). Não é um bom sinal, pois começa por envolver o seguinte em uma “camisa de força”. Já que fizeram tantas e boas brincadeiras e paralelos com Lula, poderiam ter feito algo parecido com essas nomeações e controle do governo seguinte.
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É um princípio muito humano, aplicável em todas as INSTITUIÇÕES MUITO HUMANAS: quem está demissionário não nomeia! Exceto…e aí é que se devem procurar as explicações para a renúncia e para a surpreendente eleição: EXCETO SE ESSA RENÚNCIA TIVER SIDO FRUTO DE UMA DURÍSSIMA NEGOCIAÇÃO PARA A SAÍDA. “Saio, mas Sua (próxima) Santidade terá que respeitar o acordo de nomeação que fizemos para a minha saída”. Duas futuras atitudes (ou omissões) deverão dizer a que veio o novo Papa: 1- se vai “respeitar” esse “acordo” e manter o Pres. do Banco; 2- se vai liberar o dossiê das transgressões das lei dos homens e de Deus que se encontra fechado com chaves nos cofres do Vaticano.
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De uma vigilância da imprensa, no sentido da cobrança dessas atitudes, talvez não se possa esperar muito, pois todo seu trabalho tem sido o de enaltecer os acontecimentos e tentar restaurar o “glamour” dos eventos. Não é tarefa fácil, pois: se há situações e ambientes sem qualquer “glamour”, são exatamente aqueles onde há apenas homens e quando predomina a velharia enfatuada. “Non! Vecchio enfatuado!” Don Giovanni (Mozart/Da Ponte) em resposta à estátua de pedra do Comendador (estréia em 1787). Há tantas estátuas de pedra no Vaticano! Voltando à imprensa, foi até emocionante ver a emoção (nada pétrea) com que o excelente jornalista G. Camaroti reportou os eventos associados à eleição final. Ali, ele não conseguiu manter o distanciamento que dizem ser necessário à imprensa. Aliás, ele tem um quê de seminarista, no melhor sentido da palavra. De minha parte, adoro ver essas manifestações que quebram a frieza e inoculam vida na mídia muito asséptica, inodora e insípida.
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O mesmo repórter repetiu várias vezes, em relação às “mensagens” contidas nos gestos e modos do Vaticano: “Tudo é cheio de simbolismos!”. Eu, que penso ser tudo na vida cheio de simbolismo e que a própria vida tem um quê de simbólico, tenho uma conceito de simbolismo muito diferente. Apenas uso essa palavra para as expressões irracionais que se imiscuem e expressam verdades não intencionalmente. Aquele conjunto de atos intencionais, a serem decodificados, estão mais para charadas, códigos só para “iniciados” ou pantomimas (quando envolvem gestual e mímica). Nesses casos, tudo se torna tão mesquinhamente humano! É bom lembrar, aliás, que quando o filósofo escreveu o seu livro se referia não principalmente à mesquinhez humana, mas à nossa eventual grandeza. TUDO É HUMANO, mas somente o que não presta costuma ser a nós mesmos atribuído. O que é bom, dizemos que foi graças a Deus! Apesar de tudo, merecemos mais crédito!
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O GLOBO: AMESQUINHANDO O PAPEL DO PAPA
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Quem lesse, de maneira desavisada, o título da matéria em que o novo Papa foi saldado pelo jornal, poderia pensar se tratar de um ataque: “Novo Papa muda jogo de poder na ASul” (17/3). Seria um alerta provindo das hostes bolivarianas?! Uma advertância de que “novas Divisões de Infantaria” entrariam em combate do lado inimigo? Não! Apenas o entusiasmo tolo de quem tem pesadelos diários (e noturnos) com “Correas”, “Cristinas”, “Evos e Lulas”. Agora já sonham até com um “Woytilla dos Pampas e não só dos Papas”! Querem aproveitar o resultado do CON-CLAVE e que o inimigo está “SEM-CHAVÉZ”?! A editoria daquele jornal anda um tanto perdida e em desespero. Não percebem que, com esse discurso, obrigam o Papa a deles e distanciar? “Peça forte no xadrez regional”: que rematada tolice! Em desespero, as pessoas em tudo percebem perigos, mas também começam a apelar para o sobrenatural.
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“PARA QUEM ESTÁ SE AFOGANDO, ATÉ TUBARÃO PARECE BÓIA”. Que leiam a coluna de Élio Gáspari (mesmo dia) e verão que talvez a tendência do novo Papa seja exatamente oposta: um aprofundamento de seu compromisso com os interesses da gente mais simples das populações. Quem sabe não criticará os exageros de todos os lados, sempre a partir de uma simpatia pela gente mais simples? Afinal, há muitos pães a serem repartidos.
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*Quanta riqueza em nossa língua, não é mesmo!?
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**Enquanto Newton—que nunca conseguiu se libertar da mecânica—defendia a existência do tempo e do espaço como coisas em si: uma espécie de palco rígido e fixo onde os fenômenos se passariam, Leibniz defendeu (“Correspondência com Clarke”-Os Pensadores), cerca duzentos anos antes de Einstein, serem eles relativos. Havia muito mais coisas para além do mundo meramente mecânico e, por princípio, não poderia haver nada antes de Deus.