Arte e Cultura

“ESSE MUNDO É MEU..! ESSE MUNDO É MEU!”(S. Ricardo)

(Derrotando o Regime Policial!)

Márcio Amaral
A perplexidade tomou conta do Brasil! De um lado, os envelhecidos (e toda a sua velharia de valores) um tanto assustados e perplexos; de outro, jovens transbordantes de uma alegria que desconheciam, fruto de uma potência insuspeitada. É verdade que quem acompanhava a revolta da juventude em relação aos desmandos dos governantes—especialmente para com aquelas áreas onde as políticas públicas são mais necessárias: saúde, educação e transportes—podia suspeitar de que “havia algo no ar”*. Até esses, entretanto, se surpreenderam! Tudo foi muito maior do que qualquer um poderia imaginar.
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Vejo algumas vertentes de abordagem para avançar um pouquinho na compreensão do que se está passando, mas a que está na base de tudo é o grito: “Ninguém mais vai falar por mim (pais, professores, mídia, governantes e os partidos tradicionais**). Não me sinto REPRESENTADO, por isso vou falar eu mesmo e nas ruas!”. Nessa tentativa de compreensão, fiquemos apenas no Rio de Janeiro. Se por aqui já é difícil de entender o que está se passando, imaginem em todo o Brasil!
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Há, sem dúvida, pautas nacionais. O governo e a FIFA se encarregaram disso (humilhando a todos), mas não há como negar o efeito Rio e SP sobre o restante do Brasil. Esquecer-se dos abusos regionais, nessas duas cidades e em outras, é calar sobre elementos fundamentais e atirar toda a responsabilidade sobre o Governo Federal, o que seria uma injustiça. Para que os inimigos não misturem tudo, em 1964, a classe média foi à rua defender seus privilégios de classe que sentia ameaçados pelas anunciadas “Reformas de Base” e pelos ecos da Revolução Cubana. Agora, a classe média abraçou as causas de maior interesse da gente simples do povo: saúde, educação, transporte, justiça e outras. Outros ítens de pauta, tipicamente pequeno-burgueses foram enxertados a posteriori.

1-“NÃO ACEITAMOS UM REGIME POLICIAL!”

Quem não tinha reparado o quanto o espírito policial estava tomando conta da nossa cidade? Todos se lembram com que violência foram tratados índios e estudantes (mas também seus pais e avós) da escola que será demolida para o “novo Maracanã” (fatos sequer noticiados pela grande mídia). Houve tantas outras investidas policiais contra gente pacífica que estava apenas tentando se manifestar pacificamente! A demolição inescrupulosa do IASERJ, com suas esperadas mortes; a violência permanente contra os mais frágeis, como os utilizadores de ”crack”, por exemplo. A irresponsabilidade nos acontecimentos envolvendo o bonde de Sta Teresa e tantas coisas mais.

Os cidadãos comuns tendem a achar que esse clima policialesco não o afeta, pois ele é bem comportado e não comete deslizes. Sem o reparar, entretanto, especialmente quando se omite diante de uma arbitrariedade, já perdeu sua própria liberdade. Em muitas cidades norte-americanas o povo vive hoje sob um regime policial. Em algumas delas há até uma espécie de “toque de recolher”: quem for apanhado dormindo nas ruas é algemado e preso. Vejam, entre nós, as tentativas de “disciplinar” o carnaval! Foi ali que Prefeito, e seus aduladores, colheram sua primeira grande derrota, mas, acovardados perante as grandes massas, vingaram-se contra pequenos grupos que reprimiram pesadamente.

Estava sendo criado um clima onde ninguém, literal ou simbolicamente, podia “mijar fora do pinico” (desculpem, mas é tão expressivo que foi inevitável). O que poderiam fazer alguns pobres diabéticos desesperados, por exemplo e em situações especiais? E a dimensão humana das coisas? “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado” (do Homem da Galiléia). Pois bem, se o aumento das passagens foi o estopim da movimentação, a brutal ação policial, aliada à mentira da GMídia (logo desmascarada pelos próprios jovens e substituída por uma HIPOCRISIA mais efetiva) foi como um atirar de gasolina sobre o fogo! Esse é um dos principais vetores do movimento e sua grande vitória até agora. Os jovens disseram NÃO ao regime policial e nunca mais as coisas seguirão no caminho em que estavam.

2-“O RIO NÃO É MAQUETE; POVO NÃO É FIGURAÇÃO OU BONECO!”

O Prefeito, que sempre falava em “vender o Rio” (com ou sem aspas) e até por uma natural consequência desse “afã venal”, vinha tratando a gente do povo (todos nós) como aqueles bonecos que ilustram maquetes. Era óbvia sua tentativa de transformar o Rio em um balneário. Toda a conduta dos governantes, em relação aos “grandes eventos”, partiu desse espírito: ao povo restaria apenas uma “figuração”, enquanto os “grandes personagens mundiais” desfilariam sua soberba pela nossa cidade. E como adularam o povo, especialmente do RIO! Resolveram nos elogiar, mas, em verdade, havia ali apenas uma caricatura que nos queriam fazer vestir…por “livre e espontânea vontade”. Cheguei a temer: o Rio, que resistira a todos os ataques, talvez sucumbisse à adulação. E não é que a “figuração” resolveu tomar conta de todo o palco! Reforçar o “baronato” de Eike foi um acinte! Privatizar o Maracanã… um tapa na cara.

E o tal “Centro Integrado de Comando e Controle”, com seus 104mi de dinheiro público gastos por Cabral para “Segurança Pública”? Que desmoralização! Não resistiu ao primeiro teste e por uma razão muito simples: baseava-se no princípio de que a gente do povo agiria como “bonecos de maquete”. Com isso todos os “desviantes” seriam facilmente identificados. O povo explodiu o modelo…..Só para não perder a oportunidade, o mesmo espírito de desrespeito às pessoas foi aplicado nas tais BRSs que, de “corredores para ônibus” se transfomaram em “corredores da morte”. Os “figurantes” que saíssem da frente, senão os “tratores e retroescavadeiras” os removeriam à força de trombadas mortais.

3-“A RUA É DO PEDESTRE E DE QUEM USA TRANSPORTE PÚBLICO!”

Essa associação me veio observando os carros parados na Av. Paulista, enquanto os pedestres reinavam à sua frente. Há muito tempo que os governos, inclusive o que está no poder, veem revelando sua “opção preferencial pelos carros”. E não me venham dizer que isso se deve ao objetivo de “aquecer a economia” e ao “efeito multiplicador” sobre a indústria, causado pela venda de automóveis! Esquecem-se de que mais e mais carros na rua implica prejuízo para todos, principalmente para os que se espremem em ônibus. Há que lembrar, ainda, o “efeito humilhação” que tudo isso representa para quem se vê permanentemente nessa situação. Muitos dos que andam em ônibus sonham em “passar para o outro lado”, endividando-se e comprando um carro, mas a maioria pode estar se dando conta de que não há futuro (inclusive para a cidade) nesse caminho. Não chega a ser uma luta de classes no sentido estrito, mas o “ter ou não ter carro” tem representado um “corte” no distanciamento da classe média em relação à gente simples o povo e seu esforço de se aproximar das classes mais abastadas. Esse voltar as costas para a própria origem talvez seja um dos efeitos mais perversos em todo o processo.

4-QUEREMOS P. PÚBLICAS: SAÚDE, EDUCAÇÃO, TRANSPORTES..!

“A gente vem prá cá e vê uma base de transportes, saúde educação …O Brasil fica mais rico e nada muda nisso!”. (de um jovem brasileiro radicado em Londres, falando na TV). Infelizmente, a situação catastrófica a que têm sido relegadas a saúde e a educação, especialmente em nosso Estado e Município, não foi suficiente para levantar a população. Os jovens são muito saudáveis. Além disso, quase todas as suas famílias compraram a ilusão de um plano de saúde e pagaram por escolas particulares. Não! Não os estou acusando de egoístas ou coisa parecida, apenas assinalando um fenômeno muito humano: não perceber muito bem aquilo que não nos afeta diretamente.
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Eu, que tenho militado nessa luta há muito tempo, tinha já percebido a diferenciação intelectual e moral de um grupo considerável de jovens envolvidos naquilo que é conhecido por FORUM DE SAÚDE DO RJ, ligado, por sua vez, a muitos outros Foruns pelo Brasil afora. E dizia para mim mesmo, logo depois de os conhecer: “E se essas pessoas não são simplesmente mais um daqueles ‘grupinhos mais radicais’—perdão, mas não pude evitar um preconceito, fruto de outras épocas—e isolados, mas uma amostra do que está acontecendo por aí com muito outros jovens?”. Nesse caso, não demoraria muito para que essa juventude tomasse as ruas. E não é que tomaram mesmo! Eles, que estãom nessa luta há muito tempo, podem lhe dar uma consequência mais profunda. E isso não há de vir somente com o FACEBOOK. Há muito o que discutir e aprofundar. Qualquer caminho que não privilegie essas Políticas Públicas implicará uma desmoralização, pois esse movimento só pode se sustentar alcançando melhorias para a vida da gente mais simples do povo.

E O QUE DIZ DIREITA?

Há basicamente de 2 tipos: uma tenta fazer “colar suas bandeiras” no movimento; outra, a que gosta mais das trevas, tenta desmoralizá-lo com bandalheira e vandalismo. Do primeiro tipo, o mais ridículo foi o Merval Pereira (como de hábito): o principal motivo da revolta seria a CORRUPÇÃO e a INFLAÇÃO, como se estivéssemos diante de um daqueles “panelaços” promovidos por algumas centenas de riquinhos na Argentina, Caracas ou S. Paulo. Quem sabe a UDN teria saltado das catacumbas e encontrado um novo Lacerda para ser seu arauto? Lógico que essa pecha cola e se volta, principalmente, contra o Governo Federal. Considerando que o “Finantial Times”, juntamente com sua “filial global”, tinham já desencadeado uma campanha um tanto suja contra Mantega/Dilma—e sua política econômica que está desagradando as grandes corporações—para eles foi, como diz o povo, “uma mão na roda”!***
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A Globo resolveu, depois da primeira investida desastrada, tentar “surfar” na onda que não conseguiu deter, a exemplo do que fez no movimento “Diretas Já” e com tantos outros. Tem, efetivamente, muito poder e o maior deles passa pelo estímulo à vaidade das pessoas: quem não gosta de aparecer na telinha? Até isso porém, pode ser usado a nosso favor, desde que não pareçamos ressentidos e raivosos. Por falar em raivosos, também os Felicianos e Renans soaram como uma bofetada dada pelo Parlamento no rosto do povo. Convenhamos: era muita revolta acumulada! E as pessoas resolveram sair do mundo virtual!
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Já em relação à “DIREITA DAS TREVAS”, ela deve ser procurada, certamente, nos subterrâneos do governo Cabral, com ramificações para a Guarda Municipal (e aqueles que perseguiram os utilizadores de “crack”). Nesse sentido, nosso melhor instrumento, até agora, foi um vídeo postado no YouTube mostrando alguns PMs tirando a farda, ao final da manifestação, colocando-a em um carro particular e cobrindo o rosto. Note-se que, ao repararem na filmagem, perseguiram a moça que entrou no consulado dos EUA. Que ironia! Dali, “les agents provocateurs” devem ter ido para a ALERJ, onde, liderando alguns revoltados tolos, promoveram o quebra-quebra contra um símbolo da DEMOCRACIA (queiram ou não). A ALERJ não é o “REICHTAG” (incendiado em 1933, ao que tudo indica por provocadores nazistas), mas o simbolismo é o mesmo. Dessa forma, e considerando que o mais almejado nesse movimento foi um MOSTRAR A CARA, penso que alguns cuidados devem ser tomados daqui em diante, principalmente….QUE TODOS MOSTREM A CARA. Que se cante e escreva também: “TODO MASCARADO É UM INFILTRADO.
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As cenas de vandalismo filmadas pela GLOBO mais se pareciam com um “script” preparado para gerar mal estar geral. Sentia-se no ar um quê de “Vai que eu tô filmando!”. Quem sabe também um “tomar cuidado para que não aparecesse alguma das feições mascaradas”?! Sei lá?! Uma coisa é certa: não foram boas as intenções que levaram à edição e exibição daquelas cenas no JN. Dirão muitos “É jornalismo e foram fatos!”. É….mas deve existir um sutil limite entre o jornalismo e a cumplicidade. Havia uma proximidade cúmplice em tudo aquilo….e nenhuma câmera escondida. Por quê? Enquanto isso, a polícia cercava pessoas de bem no campus da UFRJ e atirava bombas em um hospital….! E o tal Centro Integrado de Comando e Controle que não tinha qualquer controle sobre o que estava se passando logo ali? Mais uma de um grupo um tanto suspeito que se instalou em volta de Cabral.
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* Modestamente, digo escrevi sobre esse protagonismo brasileiro nesse blog, inclusive em uma canção “A Comuna que Pariu”. Há uma liberdade individual por aqui que não é muito encontrada por aí. Faltava uma eclosão e ela veio. Perigosa é a expressão de massas amorfas (e sem partidos), pois tendem ao fascismo.
**A REPRESENTAÇÃO está na base da democracia moderna. Não estamos na POLIS grega, quando as pessoas se reuniam e decidiam os seus destinos. Logo, muitos se darão conta da necessidade dos partidos, uma vez que o falso purismo das pessoas descentes tem entregue o parlamento a mafiosos de todos os matizes, principalmente aos religiosos e araque.
***Obama dizer que a situação do Brasil está sendo “monitorada de perto”, é trazer de volta o velho vício de 1964. Só monitora, por definição, quem vai intervir.

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