Arte e Cultura

ÊTA ROLEZINHO BÃO….MAS VIOLÊNCIA NÃO!!

(Nenhuma forma de APARTHEID deve ser respeitada!)

Márcio Amaral

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NOTA: todas as generalizações, especialmente quando aplicadas a povos e suas condutas, são muito perigosas e induzem ao preconceito. Não há, entretanto, como evitar pensar na “TÔNICA” predominante nas condutas dos povos. Todos (ou quase) o fazemos, mas não as escrevemos! Aí vão algumas…e escritas.

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rolezinho

A rebeldia e a inconformidade brasileiras, especialmente de nossa juventude, apareceram de novo e em alto estilo. Dizem que somos muito passivos…tolerantes em excesso, mas essa é uma avaliação torta e mesquinha. Somos cordatos? Sim! E isso talvez seja um ótimo sinal: temos uma disposição maior a compreender e até aceitar as razões do outro. É por isso que somos reconhecidos, sempre que participamos de missões no exterior, como enviados da paz e pela paz. Caprichos tolos e “frescuras” infantis!? Não são muito comuns entre a gente simples de nosso povo. Até por destino, fomos obrigados a lidar com todo tipo de gente. Aprendemos a gostar dos seres humanos e conseguimos continuar gostando de sua companhia. Adoramos multidões! Se há uma marca brasileira nas relações humanas—quem sabe também nas relações entre as nações?—é a de que fazemos parte da “TURMA DO DEIXA DISSO”! AH!!! Mas tudo isso pode mudar em um átimo!* Bastando apenas que um convencimento profundo (intuitivo e quase racional) se imponha gritando aos nossos ouvidos: “ISSO NÃO ESTÁ CERTO! NÃO PODEMOS ACEITAR!”. Há muita coisa, por aí, que não está certa e que não podemos aceitar. A gente do povo sairá, de novo, às ruas e o Estado policial será derrotado.

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E assim aconteceram os “rolezinhos”: um grito de não aceitação passiva da exclusão. Não por acaso, esse movimento começou em S. Paulo. É lá que uma forma de APARTHEID não declarado (econômico e racial) atingiu seu ápice e ainda vem ganhando forças. Precisa ser derrotado! Foi uma primeira escaramuça contra o avanço silencioso e cruel da mentalidade que gerou os “CLUBS“, essa invenção inglesa levada para todos os lugares onde chegaram. Na mesma época, nossos irmãos portugueses erguiam igrejas e louvavam Vênus com as indígenas. Podem me acusar, dizendo que era uma imposição de invasor e dominante, mas foi isso o que tornou impossível a segregação e separação de nossa população por grupos de “cores diferentes”. Comparando-se, ainda, essa atitude com a dos ingleses, penso sempre: “Graças a Deus (ou a uma crença nele) fomos colonizados pelos portugueses!”. Pensando bem, essa expressão “colonizados” nem cabe aqui. Não demorou muito para que os europeus percebessem, por essas bandas do sul, valores bem mais humanos e elevados. Assim, tudo se inverteu e nós passamos a “colonizar” os portugueses. Enquanto escrevia, dei-me conta da origem do termo “PUBS”. Está em oposição a “CLUBS“. É um lugar aberto para todos (public), enquanto o outro…somente para alguns.

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Pois bem! Os “Shoppings” se tornaram uma espécie de “intermediário” não declarado entre aquilo que é totalmente público e o mais estritamente privado: uma espécie de “club de compradores e consumidores”. Assim, os seus donos passaram a se dar o direito de decidir quem tem “cara (e bolso) de comprador” e quem não tem. O tipo de cartão de crédito usado pelos consumidores passou a funcionar como a carteirinha do “shopping-clube“. É uma consequência natural do “espírito de shopping”, apenas levado às últimas consequências, depois de provocado. Sempreesteve nas suas entranhas esse descaso para com os seres humanos EM GERAL! Ninguém, para seus idealizadores/construtores, tem qualquer valor humano intrínseco: TODOS SÃO REDUTÍVEIS A NÚMEROS…OU CIFRAS, melhor dizendo. De alguma forma, todos seriam descartáveis (como seres humanos) caso sua situação financeira desabasse. Mas a “nobreza moderna” (sem qualquer “glamour”, diga-se de passagem) precisa ser mais discreta e fazer concessões para não irritar demais as maiorias. Foi essa a máscara que caiu quando os “shoppings” lançaram mão do aparelho “jurídico-policial”, conseguindo liminares que “legalizavam” o “apartheid”. Os pobres precisavam saber do seu lugar! Foi o que disse um senador do PSDB. É que diz o presidente da Alshop, Nabil Sahyoum (…entra outro, Fl de SP, 20/01): “Se você tem uma casa e alguém a invade, vai fazer algo para não acontecer novamente”. Ou seja: os shoppings, para ele, não seriam “Casa da Mãe Joana”, mas do “Casas do Pai Sahyoun” (…entra outro e fica a mesma coisa)! Não sabem que o país tem leis!?
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Mas….tudo teria sido muito diferente, caso os jovens pobres lá chegassem submissos e de cabeça baixa. É esse o objetivo da ação do emissário da Prefeitura, NETINHO. Seriam tolerados, como quem visita um palácio que não lhe pertence, pisando leve e pedindo desculpas por estar ali. Quem sabe não serviriam até para que os administradores, diante dos “exemplares pobres” falassem de “um espaço democrático e sem discriminação, etc.”? Seria a aplicação do “estilo GLOBAL” de enganar as periferias. Como, entretanto, os jovens lá chegaram “mostrando a sua cara” e se expressando como na sua própria vida, foram perseguidos. Não duvidem! Diante do impasse que vai se criar—uma vez que é indefensável proibir pessoas de entrar em “shoppings”, como se proíbem em “clubs”— suas administrações vão passar a defender a abertura de espaços públicos de diversão e outras coisas, quem sabe até bem próximos aos “palácios do consumo”? “A propriedade privada precisa ser redefinida”, escreveu o poeta H. Heine (grande amigo de K. Marx) atribuindo a sentença a um “amigo comunista”. Essa necessidade me parece óbvia. Vejam a questão do subsolo: não pertence ao dono da terra.

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A “bola” agora está com a Justiça e temos visto algumas boas manifestações por parte de seus membros. Outras porém….: “O promotor criminal Manoel José Berça enviou ofício ao comando da Polícia Militar pedindo reforço do policiamento neste sábado no entorno do shopping. ‘A Polícia Militar deve, sob pena de omissão, empreender a força física… para conter esses atos de vandalismo.’ Para ele, mesmo que as convocações não incitem a violência, o que vale são as ‘intenções por trás'” (FLSP 17/01)Enquanto isso: Para Luciana Bergamo (promotora de d. humanos da Infância e Juventude), a medida do Shopping JK Iguatemi, que exigiu RG de jovens que tentavam entrar no estabelecimento sem a companhia dos pais– foi “INADEQUADA” (IDEM)REPARARAM NA DIFERENÇA DE TRATAMENTO? Enquanto, para os jovens, que não cometeram qualquer crime, ficam procurando por “intenções por trás”(!), para a infringência clara de leis por parte dos “shoppings” aplicam a expressão “conduta inadequada”! É mesmo difícil se livrar de certos preconceitos de classe!

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rolezinho alegria

Mas há, também, algumas deformações—desculpem, mas não consigo usar outra palavra e talvez esteja sendo preconceituoso—associadas ao surgimento dos “rolezinhos”. Da parte daqueles jovens, implicam o reconhecimento de que os “shoppings” são um bom lugar para encontros. Não se livraram das garras (“GRIFFE”, em francês) dos valores com que foram bombardeados. Há lugares tão melhores! De minha parte, sinto-me muito mal sempre que sou engolfado pela atmosfera consumista inevitável àqueles lugares. Sei que, em S.Paulo, não há mesmo boas opções sem envolver muitos gastos. Por isso, pessoas da classe média alta, quando querem elogiar a cidade, dizem sempre: “Tem bons restaurantes, teatros e cinemas”. Se for alguém que goste de música erudita, dirá: “Tem uma das melhores orquestras sinfônicas do mundo e também um coral sinfônico no mesmo nível”** (OSESP). Mas tudo isso custa caro e as opções culturais voltadas às pessoas mais simples, não são muito estimuladas por governos. Aqui, pelo nosso Rio, os “rolezinhos” se dão em lugares tão mais agradáveis! Eu que, em minha infância, ia sempre à praia de Icaraí, quando soube que a família de um vizinho (muito protegido pelos pais) fizera uma piscina em sua casa, tive uma pena tão grande dele! A praia era tão maior…tão melhor!…A vista do Rio*** tão maravilhosa!…As brincadeiras tão boas!…Tristes daqueles que ficavam em piscinas. Muito depois, soube que PICCINA, em italiano é…PEQUENA: “La piccina…la piccina…la piccina…” (Ária de Leporello, D. Giovanni, Mozart). É…A vida é tão pequena nos “shoppings”, essa espécie de “curralzinho para adultos”…ou quase!

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*À maneira do que diz E. da Cunha sobre nosso vaqueiro nordestino que, de uma postura toda desconjuntada e desgraciosa, passa para seu oposto de imediato, assim que um rês escapa. Por isso, chamou-os “Hércules/Quasímodos” (o “Corcunda de Notre Dame”).

**Enquanto isso, por aqui, a OSB, entregue politiqueiros sem muito compromisso com a arte, continua a se arrastar melancolicamente.

***Além da vista do Rio, é difícil se deparar com uma orla mais bela do que a de Icaraí e adjacências. Se o espetáculo que vemos em Copacabana/Ipanema é “sinfônico”, a beleza de Icaraí tem um quê de “música de câmara”, preferida, aliás, pelas pessoas de gosto mais refinado. Que esteja tão maltratada e abandonada para o banho é uma de nossas vergonhas! Olhando aquela orla, muita gente (de outros lugares e países) deve ficar pensando “AH! Se tivéssemos uma praia tão bonita e acolhedora! Nossas vidas seriam tão melhores!”.

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