Arte e Cultura

FALÁCIAS EPIDEMIOLÓGICAS: GATOS..LOUÇA..ÁLCOOL..-I

(Falsos cientistas torpedeando a vida das pessoas! Ciência ou Curiosidades?)

Márcio Amaral

………………………

 

Essa divindade também estava associada à Lua, protegia os partos e as mulheres grávidas de doenças e dos maus espíritos
Essa divindade também estava associada à Lua, protegia os partos e as mulheres grávidas de doenças e dos maus espíritos

Os últimos meses foram ricos em notícias bombásticas, baseadas em “pesquisas epidemiológicas” mal interpretadas e que causaram muito mal estar entre as pessoas comuns. Apesar de tudo, sua variedade e seus absurdos podem ter consequências muito boas: 1-a DESMORALIZAÇÃO DE TODA ARROGÂNCIA apresentada sob o manto da ciência;2– um movimento pela tomada do juízo crítico individual e da observação do próprio corpo/vida como critérios para decisões. Alguém já o disse com muita propriedade: “As estatísticas são como os biquinis: mostram tudo, menos o essencial”. Mas as coisas podem ser muito mais graves e seus efeitos bem sombrios, como no caso recente da associação entre o risco aumentado para esquizofrenia (sic) e o ter sido criado junto com gatos. Já vi famílias inteiras tomando decisões ridículas e desastrosas a partir da leitura de “informações científicas” desse tipo. Algumas delas vou discutir aqui, além da já citada: 1-homens que lavam louça têm mais estabilidade e tranquilidade 2-quanto mais tarde acontecer o primeiro gole de álcool em um adolescente ou adulto jovem, menor o seu risco de se tornar alcoólatra;3- pessoas que foram magras na adultidade têm risco elevado para desenvolver D. de Alzheimer na velhice. Sim! Os números têm um potencial de destruição incomensurável…e podem gerar conclusões ridículas!

………………………
Quando tomados como coisas em si e critério para avaliar a vida (especialmente a individual), os números se voltam contra ela, matando-a sem qualquer piedade ou empatia. Aliás, nesses casos e por definição, sua aplicação é feita sempre CONTRA A EMPATIA e a individualidade.  Quem o quiser ver que olhe as marcas nos braços dos sobreviventes de Auchwitz. Mas não é preciso ir tão longe. Aqui mesmo, no coração da Amazônia, um conhecido empresário norte americano, muito amigo e colaborador dos nazistas; adorador dos números; criador da linha de produção…enfim, de tudo o que implica desumanização, fez algo de parecido em sua“FORDLÂNDIA” (empreendimento fracassado visando produzir borracha de maneira quase industrial, 1923). Lá, as pessoas que trabalhavam não tinham nomes e eram identificadas somente por uma plaquinha com o “seu número”. O espírito indomável, “moreno, violento e bom…Brasileiro” (M. Bandeira) se rebelou e tudo acabou em um enorme incêndio. E então, H. Ford pegou seu “fordeco, fordecado” e saiu de fininho. Provavelmente dizendo de nós algo de parecido com o que os ocidentais dizem da África, sempre que um dos seus projetos de “colonização pós-moderna” dá errado: “O Brasil é um país perdido

…………………………………….
POBRES GATOS! ENTRARAM DE GAIATOS NESSA HISTÓRIA!
……………………….
gato soO achado (com ou sem aspas) de que (a) mais de 50% das pessoas que desenvolveram esquizofrenia (melhor seria dizer “algum transtorno psicótico grave”) foram criados com gatos, não deixou de ser interessante. Esse dado isolado, entretanto—e sem que se diga o percentual de pessoas na pop. que conviveram com gatos—não diz nada. A discussão desses dados, muito medíocre. Além de tudo, se há um diagnóstico que está sob ataque cerrado é o da própria esquizofrenia. Assim, há fragilidades graves em ambos os lados da “informação”. E ainda tem gente querendo tirar conclusões apressadas! Mas, consideremos serem os dados verdadeiros. O que, então, sugeriria? Pensar em um papel para a toxoplasmose é natural, mas pouco provável e simplista demais. Afinal, os gatos são muito mais do que apenas “portadores de toxoplasmose”, assim como os cães são muito mais do que “porta-pulgas”! Por outro lado, há um dado na pesquisa que obrigaria a uma total inversão do raciocínio: “a convivência de crianças com gatos ocorreria com mais frequência em famílias onde uma ou mais pessoas possuem doenças mentais graves” (a confirmar com a leitura do artigo original). Nesse caso, e como sabemos haver um risco familiar para a doença, os “gatos entraram de gaiatos” na história, pois o único dado da pesquisa que poderia interessar seria: famílias que têm uma ou mais pessoas com transtornos mentais criam gatos com mais frequência do que a pop. em geral. O risco elevado seria apenas genético ou de convivência (com doentes mentais) e não relacionado diretamente aos gatos. De novo, os “gatos entrariam de gaiatos”; mais como vítimas do que como vilões. Mas a pior conclusão desse estudo seria (retirando o papel dos gatos na história): crianças criadas (dependendo ou não da relação biológica) com doentes mentais têm risco aumentado para a esquizofrenia. Nada mais, nada menos do que tortuosos caminhos para chegar ao “higienismo pós-moderno”!
………………………
POR ONDE ANDA A SUBJETIVIDADE? VOLTAMOS AO “HOMEM-MOINHO”?
………………………..

augustoColoquemos um pouquinho de subjetividade  na discussão. Afinal, SOMOS OU NÃO PSIQUIATRAS, PSICÓLOGOS, ASSISTENTES SOCIAIS e de outras profissões da área da saúde mental? Desde os egípcios, os gatos são associados ao mistério, ao enigma e até ao egoísmo. Essa palavra, aliás, é muito mal entendida, pois pode significar simplesmente AUTONOMIA. Já os cães, à fidelidade. A partir desse dado, criaram-se até perfis bem demarcados dosamantes de gatos ‘vs’ amantes de cães. Soube até de uma entrevista de trabalho (na Suécia) que se iniciou assim “Você é ligada aos gatos ou aos cães”. A entrevistadora era “dos gatos” e a entrevistada, “dos cães”…mesmo assim foi contratada. Dessa forma, e se esses perfis das pessoas são tão bem demarcados (e parece que são mesmo), por que não estudar a questão a partir deles? Afinal, SOMOS OU NÃO PSIQUIATRAS…? Teria a SUBJETIVIDADE se transformado em um palavrão aos ouvidos dos psiquiatras “modernos”, tão arrastados para um olhar positivista!? A psiquiatria norte-americana, em especial, parece ter sido tomada por neurologistas. É o que se pode deduzir das palavras do presidente do NIMH: “O primeiro passo, nessa avenida de pesquisa, é um crucial rearranjo: parar de falar em ‘distúrbios mentais’ e começar a entendê-los como ‘distúrbios do cérebro” (Ver neste mesmo blog: “T. Insel (NIMH): Inimigo número 1 da Psiquiatria!”

……………………………..

Mas, avancemos um pouco mais. Não faz muito tempo, um grupo sueco demonstrou a estreita relação existente entre: risco familiar para transtornos mentais graves e maior produção artística entre seus membros. Não era muito difícil antecipá-la. Platão já o fizera: “É em vão que os homens muito racionais batem à porta das musas!”. Ele sabia muito bem do que falava. As musas foram surdas aos seus apelos. No início de sua vida, tentou escrever teatro e isso lhe serviu para alguma coisa, pois se esmerou nos diálogos (um tanto artificiais) de sua obra filosófica. Como seria pobre o mundo sem os enigmas e o mistério das artes…e dos gatos! Sim! Os cientistas tendem a ser “adoradores da luz”. Com isso, e por vezes, têm seus olhos ofuscados. Gostam tanto dela, que criam  áreas de luz ARTIFICIAIS para fazer suas experimentações, muito úteis e interessantes, aliás, desde que suas conclusões sejam aplicadas com cuidado. O problema, é que tentam desconhecer que a maior parte do universo é formado por “MATÉRIA ESCURA” e que a vida individual (e até da espécie) é um facho de luz envolvida por uma eternidade de escuridão. A propósito, ouvi de um pesquisador muito respeitado a anedota: o cientista é como aquela pessoa que está em um estacionamento, sob um poste de iluminação, tentando abrir um carro que não está ali. Alguém lhe grita “Você não está vendo que o carro não está aí?!”. Responde ele: “É…mas aqui tem luz!”.

CONTINUA
……………………………..
“O ÚLTIMO NÚMERO CANSADO”: A. DOS ANJOS 
(Anexo poético)
……………………….

“…………………….No fundo
Do meu entendimento moribundo
Jazia o último Número cansado…
…Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!…
Não te abandono mais! Morro contigo!”
……………………..

Os números são primos-irmãos da industrialização, da mecanização e, em consequência, da desumanização. Ninguém viveu isso mais profundamente do que o nosso “poeta maldito”. Ainda menino, foi obrigado a substituir empregados de seu pai, e passar dias inteiros ao pé de moendas por conta de uma crise econômica terrível que se abateu sobre o Brasil, atingindo em cheio a propriedade de seu pai que produzia açúcar. Acabou por desenvolver uma espécie de solidariedade e intimidade com a matéria bruta e mecânica. Isso, e a tuberculose, o mataram.

DEBAIXO DE UM TAMARINDO

“No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilissimos trabalhos!……

..A minha sombra há de ficar aqui. (E o pé de tamarindo ainda está lá)

……………………….

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *