Arte e Cultura

FALÁCIAS EPIDEMIOLÓGICAS: LAVANDO LOUÇA E OUTRAS-II

Márcio Amaral

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ando-louçaNOTAS (ainda dos gatos): Pode haver uma outra interpretação para aquele “egoísmo e pouca ligação com as pessoas (se ligariam mais à casa)” atribuídos aos gatos: eles seriam apenas mais flexíveis (não somente no corpo, mas no temperamento) e teriam muito mais capacidade de adaptação ao ambiente em que foram colocados do que os cães. Sim!Abandonei um velho preconceito, quando vi alguns gatos “muito animados e solidários” cujos “donos” são “animados” e…solidários. É possível que o tal “perfil dos donos de gatos” seja SOMENTE…humano…muito humano. Os bichanos apenas se adaptariam melhor (em média) às idiossincrasias dos seus “donos” (cuidadores) do que os cães. Não é um dito que se repete o de que os animais adotam características de seu dono? Mais uma vez, os gatos teriam “entrado de gaiatos” naquele julgamento. Já com relação ao acesso à publicação original na“Schizophrenia Research”, digo que não me foi possível até agora. Não conheço bem esses caminhos e penso haver uma enorme deformação em qualquer restrição à circulação de textos e publicações em função de qualquer coisa, especialmente quando do “money…money…”! Foi esse tipo de atitude tão em voga que me fez cunhar a expressão “Mosteiros Cibernéticos”, para classificar essa tendência a esconder um “saber”, a exemplo dos mosteiros medievais (especialmente na Irlanda: ver “O Nome da Rosa”). Só os decadentes o fazem. Se ainda não estão podres, logo chegarão lá.

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2- Homens que lavam louça seriam mais felizes, tranquilos, etc. Aqui, o que ocorreu foi mais um amesquinhamento da informação por parte da mídia. Não se trata de uma FALÁCIA propriamente dita. O achado original é, aliás, muito interessante (de um grupo de pesquisa da Universidade de UMEA, Suécia que acompanhou casais por 26 anos): homens que compartilham os afazeres domésticos com a esposa têm menos problemas de saúde, mais tranquilidade e melhor adaptação do que aqueles que não o fazem. Também a mulher seria beneficiada nesses casos, pois, a exemplo dos seus parceiros e colaboradores, também sofreriam menos problemas de saúde em geral. Considerando, entretanto, que as variáveis essenciais em questão, nesse caso, são: solidariedade/divisão de tarefas EM GERAL na família (dentro das possibilidades de cada um e não somente lavar louça, é claro*), para se ter a certeza absoluta do papel ESPECÍFICO da execução de tarefas domésticas, só se fosse possível separar os dois grupos de variáveis: 1-execução de tarefas domésticas; 2- outras formas de expressão de solidariedade e “cumplicidade” em geral entre o casal.

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MINHA TESE: o mais importante é haver um ambiente de divisão de tarefas, SEGUNDO O MAIOR TALENTO E CAPACIDADE DE CADA UM; não necessariamente uma divisão das tarefas de casa, especificamente. É bom lembrar que, na Suécia, os direitos e funções sociais, em geral, não separam os gêneros. POR EXEMPLO, há uma licença maternidade de 1 ano a ser dividida pelo casal, segundo suas próprias necessidades e interesses. Aquele que tem um melhor salário, ou carreira em ascensão, independentemente de ser o homem ou a mulher, tende a permanecer mais tempo no trabalho do que de licença. Não consigo aceitar “prescrições” que ficam por demais presas ao concreto e objetivo. Caso contrário (e nesse caso), arriscamo-nos a, diante de uma crise moral ou de ansiedade qualquer, disparada no “machão da família”, fazer a prescrição: “Vá lavar louça para se acalmar!…Não se esqueça do avental”. Quem sabe não funcionaria?

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afasta de mim3- Quanto mais tardio o primeiro gole de álcool, menor a chance de alguém se tornar alcoólatra. Eis uma FALÁCIA plena! Vi, especialmente na Suécia, onde tenho duas filhas (e há um obsessão com números), famílias se esforçando para que seus adolescentes adiassem a todo custo o primeiro gole. Era muito ridículo e os jovens deviam rir à socapa do papel desempenhado por seus pais. Muitos deles já tinham bebido algo havia muito tempo. Afinal, seus pais eram cultores do bom vinho. Algumas dessas famílias mantinham, inclusive e em suas salas, enormes frascos de vidro contendo centenas de rolhas que, um dia, espremeram o “líquido mágico”. Ou seja: a marca essencial de todo aquele “adiamento” era a HIPOCRISIA. E esta, desde muito tempo, tem sido associada ao risco elevado para o desenvolvimento de problemas com o álcool em famílias.

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VOLTEMOS AO DADO. Excluam, das amostras estudadas, os filhos de famílias onde um (ou os dois) dos genitores (ou cuidadores) têm problemas graves com o álcool e o “achado” certamente desaparecerá. Nesse caso, os dois grupos de jovens: COM genitores alcoólatras ‘vs’ SEM alcoólatras têm situações tão diferentes, que precisariam ser separados em um estudo sério. É fácil imaginar o peso (nos resultados) dos números (contados talvez em meses*) de muitas crianças que fizeram esse primeiro uso com 10 anos (por exemplo). Teriam, além disso, excluído os judeus da avaliação? Afinal, tomam o seu primeiro gole ritualmente e bem cedo. Esse uso ritual e em situações festivas, aliás, parece funcionar como uma espécie de proteção contra o alcoolismo. Todas as substâncias ditas “de abuso” tiveram um papel ritual de uso, ou seja, SOMENTE EM SITUAÇÕES ESPECIAIS: os “cachimbos da paz”, “cortejos báquicos”, folhas de coca e outros. O problema foi que o CAPITAL INDUSTRIAL percebeu seu potencial de, quase literalmente, “aprisionar os consumidores”, estimulando seu uso vulgar e corriqueiro. Não percamos o foco: perverso é o modo de produção/divulgação/manipulação capitalista.

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4- Baixo peso na idade madura eleva o risco para desenvolver D. da Alzheimer na idade avançada- em verdade, os pesquisadores da Univ. do Kansas tiveram o cuidado de dizer que a verificação de um baixo IMC (índice de massa corporal) poderia ser apenas um indicador de maior risco“Pessoas que apresentam as primeiras manifestações para Alzheimer apresentam mais baixo IMC…” (“Alzheimer Society”, 22 nov, 2011). Em verdade, encontraram com mais frequência a combinação: baixo IMC + BIOMARCADORES para D. Alzheimer (TAU e proteína beta amilóide), entre aqueles que desenvolveram DA (em uma amostra de mais de 500 idosos), antes mesmo do surgimento de qualquer déficit cognitivo entre eles (“Aging Well”, 29/nov/2011). Foi uma surpresa generalizada. Afinal, diante de tanta apologia do “baixo peso” em qualquer circunstância; das demonstrações de que quem come menos vive mais, etc. parecia um “tiro em um concerto” (Stendhal). Talvez até por isso não tenham feito muito alarde do dado que retornou recentemente aos jornais.

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Limitados aos seus modelos e formas (fôrmas) de pensar—sempre raciocinando a partir da doença e como que a ela “aprisionados”— os estudiosos propuseram uma explicação bastante plausível: a DA seria uma doença metabólica, atingindo o corpo como um todo bem antes de provocar déficits cognitivos. É interessante, mas há contradições difíceis de eliminar: a maioria das condições ditas metabólicas se associam à elevação do IMC e não à sua diminuição. Outros levantaram hipóteses bem mais prosaicas: os pacientes esqueceriam de comer. Tenho visto também o contrário: pacientes que se esquecem de que comeram e querem comer de novo. Além disso, o achado acontecia também antes do surgimento dos distúrbios da memória. De minha parte, levantarei duas outras possibilidades: uma absolutamente objetiva e outra muito subjetiva. 1– Considerando que: A- as pessoas que sofreram de uma síndrome depressiva, em algum momento da sua meia idade, têm a tendência à perda de peso e inapetência; B- as depressões se associam ao maior risco para posterior desenvolvimento de DA; C- essas pessoas fizeram ou fazem uso de substâncias associadas ao maior risco para o surgimento de déficits cognitivos, seria imprescindível a separação desse grupo (que sofreram de depressão em algum momento das suas vidas) da amostra. Somente assim a relação específica do baixo IMC com o risco para DA poderia ser estabelecida.

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2– Temos sido testemunhas de uma curiosa apologia da magreza a qualquer custo. Aquilo que era defendido apenas como de natureza estética, ganhou ares de ciência e invadiu todas as esperas de expressão humana, como se fosse um valor em si e a ser procurado por todos. Os “faquires” tornaram-se uma espécie de ideal, de saúde e beleza. Na “TV Fantástica”, o assunto foi apresentado por alguém dotado do “physique du rôle” (Dr Dráuzio Varella). Até colônias de bactérias foram usadas como exemplos: aquelas que eram submetidas uma “dieta” muito pobre (gordura e carbohidratos) viviam muito mais. Esqueciam-se de que as bactérias têm a capacidade de inibir sua reprodução sempre que o ambiente não é propício, aguardando por melhores condições. Ou seja e sem duvidar do dado original**: confundiam a entrada em estado de latência e “sub-vida” com a VIDA; uma estratégia de SOBREVIVÊNCIA com a VIDA propriamente dita que implicaria EXPRESSÃO E EXPANSÃO (Nietzsche). Não necessariamente sobre os outros, mas também COM os outros). Quem sabe não há aqui algum caminho para o entendimento da relação que estamos estudando? Seria, aquela magreza na meia idade, associada à entrada em alguma forma de “estado de latência” (fazendo um paralelo com a depressão)? Nesse caso, correspondendo a uma grave crise de projetos, valores e desafios? Uma coisa é certa: temos repetido à exaustão que o enfrentamento, ativo e constante de desafios, especialmente de natureza intelectual, reforça e preserva as funções cognitivas (e outras, é claro). Juntemos esses dados e surgirá uma forte relação entre magreza e DA….a ser comprovada, é claro, e se possível!

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*Há um paralelo na avaliação da diminuição da expectativa de vida entre tabagistas. Referência antiga, lida em velhas edições do livro de farmacologia “Goodman and Gilman”, mostravam que, em média, perdiam-se sete dias de vida a cada cigarro fumado. Eis uma conta até relativamente fácil de fazer.

**Gosto sempre de perguntar, metaforicamente: “O que você prefere? Quinze anos da vida de um tigre ou 100 anos de tartaruga?”. M. de Andrade, já próximo à sua morte, disse que nunca se entenderia com os médicos, para quem a vida era para ser preservada a todo custo, enquanto, para ele, viver implicava gastar a vida. Fica o registro.

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