Arte e Cultura

KAFKA E DILMA: “O PROCESSO” REVIVIDO EM BRASÍLIA

(LEGALIDADE? Ou um BIOMBO para esconder a IMORALIDADE?)

Márcio Amaral (vice-diretor, IPUB)

…………..

KAFKAQuase 100 anos depois de sua publicação, “O PROCESSO” de Kafka encontrou mais uma expressão plena nas relações humanas. De alguma forma, todo o livro está sintetizado naquele título: simplesmente O PROCESSO…apenas ele mesmo. Não UM processo qualquer, mas algo “COISIFICADO”, à espera dos destituídos de poder para serem triturados. Tudo isso, é claro, sem a necessidade de qualquer MOTIVO DE ORIGEM (crime) para além da intenção dos próprios julgadores. Em uma curiosa inversão de valores, todos aqueles aparentes ganhos da humanidade em sua procura pela “construção” de sistemas implicando mais respeito aos indivíduos, tinha gerado uma espécie de máquina totalmente desumanizada. Mas a primeira e mais profunda aplicação do “PROCESSO” se deu na própria cultura da qual KAFKA fazia parte, ainda que como um ser um tanto à parte*: judeu de língua alemã, nascido nos “Sudetos” da Tchecoeslováquia, posteriormente anexados por Hitler com mão de ferro, sempre contando com a covardia anglo-francesa.

…………………………

Depois de ter tentado um GOLPE ARMADO (“Putsch”), ter sido preso (1923) e de ver seu partido proscrito, A. Hitler se deu conta de que, com aquele tipo de confrontação não iria longe. Dotado de enorme intuição política, percebeu que a estrutura legal de poder (Rep. de Weimar, 1919-33) perdera sua alma: apodrecera, e estava como que à espera de alguma força mais determinada para cair. Ninguém mais acreditava ou esperava muito dela. Assim, Hitler criou um novo partido, desenvolveu (junto com Goebbels e Göering) técnicas de propaganda até hoje muito utilizadas e deu início à “corrosão republicana” de dentro para fora. Aquilo que chamamos “estrutura legal” tornara-se apenas um “biombo” para esconder toda espécie de manobra; um mal, pois “anestesiava” as consciências. Quem sabe não foi dito por lá algo parecido com: “Como falar em GOLPE se estamos seguindo os ritos formulados pelo STF?”?Tudo o que Hitler precisava era de habilidade e força para dar o golpe final no momento certo: um PLEBISCITO promovido logo após a morte do Presidente Hindemburg (ag. de 1934), unificando todo poder nas mãos do FÜEHER. Tudo isso, é claro, respeitando as formalidades e aparências. Os maiores responsáveis pelo “trabalho sujo” (as “SA”) tinham sido eliminados na “NOITE DOS LONGOS PUNHAIS” (jul, 1934).

……………………….

PARALELO COM O BRASIL…GUARDADAS AS PROPORÇÕES!

…………………

Já entre nós, o que está em questão é a PRESERVAÇÃO DOS PRIVILÉGIOS por uma classe social que vem sendo derrotada seguidamente em eleições. Assim, pensam nas zonas inconfessáveis da mente: “Que se danem as disposições de uma CONSTITUIÇÃO que me impede de conquistar o poder. Então, vamos arranjar os motivos para viabilizar nossos interesses”.Mas como estão constrangidos…alguns deles, pelo menos! Ouvindo o Senador W. Moka (MS, PMDB), tudo ficou muito claro: O PROCESSO estava em seu curso inexorável e autônomo. Ao longo da discussão no Senado, ficara clara a não existência de MOTIVOS FÁTICOS para tal julgamento. Mais do que isso, vários dos defensores do impedimento tinham caído no ridículo e em armadilhas intelectuais muito bem aplicadas. Disse ele, JUSTIFICANDO-SE: “….Esse é um tribunal político e o Senado tem o direito de julgar…Eu não sou homem de ficar mudando de ideia… Na minha região, 90% das pessoas querem o impedimento, então é isso o que eu tenho que votar…”. Os INTERESSES são muito mais fortes do que os PRINCÍPIOS. O PROCESSO está em curso, mas, dessa vez, há de triturar aqueles que acionaram seu mecanismo. O feitiço já começou a virar… Os brasileiros de 2016 não se assemelham em nada aos alemães da década de 1930.

……………..

E O “PROCESSO”? ALGUNS PARALELOS

…………….

KAFKASDiante da invasão de sua casa por 2 membros do aparato de estado para detê-lo, sem qualquer acusação formada, reflete Kafka pelo personagem “Joseph K.”“…vivia em um Estado que assentava no Direito. A paz reinava por todo o lado! Todas as leis estavam em vigor; quem eram, pois, os intrusos que ousavam cair-lhe em cima no seu próprio domicílio?”. Era um misto de intuição quanto ao que estava por vir e uma tentativa de auto tranquilização: a tal “estrutura legal” tornara-se um “biombo” como dito acima. Mas a palavra “ASSENTADO” (“AUFLAGEN”? A confirmar no original) talvez defina completamente o que se passou na ALEMANHA (durante a Rep. de Weimar) e está se passando por aqui com a nossa Constituição. No curso das ações, até Joseph K. termina por ser arrastado para o “código”: Mas eu sou inocente!, ouvindo de volta: “De que?”. Tudo se inverte e ele passa a procurar pela própria culpa: Chego… à conclusão de que sou acusado e, todavia, não consigo encontrar a mínima falta a que possam lançar mão para me acusar”. Dilma, pelo menos, não “mordeu a isca” da RENÚNCIA. Por fim, uma curiosidade que me fez lembrar ERUNDINA. Reflete Joseph K: “Se…certas mulheres que conheço trabalhassem em conjunto a meu favor, acho que triunfaria, especialmente numa justiça como esta que é quase toda constituída por homens que são uns autênticos celerados…”.

………………

Por fim, o PT esteve por todo esse tempo como que parado à “porta do socialismo” como o homem que permaneceu “à porta da LEI” (história alegórica constante de “O PROCESSO”) até envelhecer e morrer. Teve diversas oportunidades de forçar a entrada, mas achou melhor esperar por uma autorização: o porteiro reparando nisso diz-lhe sorrindo: ‘…se te sentes tão atraído, procura entrar a despeito da minha proibição….'”. Seria o porteiro o único obstáculo à sua entrada na Lei? Mais tarde, à medida que envelhece, já não faz outra coisa senão resmungar. Quase morrendo, pergunta ao porteiro por que somente ele ficara ali por todo aquele tempo, PEDINDO para entrar. “O porteiro… para alcançar o seu ouvido moribundo, berra: ‘Aqui, ninguém, a não ser tu, podia entrar, pois esta entrada era apenas destinada a ti. Agora vou-me embora e fecho-a.’”Talvez o PT já tenha cumprido seu papel. Outros forçarão e arrebentarão outras portas. E se não houver portas….serão criadas.

…………………………………

*Muitos valorizam (nessa obra) especialmente o poder da burocracia (“governo de ninguém”, H. Arendt) e da  impessoalidade. É uma interpretação interessante, mas muito limitada, na minha opinião. Esquecem-se de que a mente humana e a política—como a natureza—detestam o VÁCUO. Assim, depois de minado o CARÁTER das populações, estava criado o clima para sua total submissão a uma força clara, determinada, despótica e desumana. O quanto os alemães da época tinham perdido o caráter, demonstra-o a observação de um general americano quando da tomada de suas cidades: “Não encontrei um nazista sequer”. Todos tinham se submetido de imediato ao novo poder. Como disse o Prefeito do Rio: “Há governo? Sou a favor!”. Por falar em falta de CARÁTER…!

(CONTINUA: “LULA E DOSTOIÉVSKI, UM ERRO JUDICIÁRIO”)

1 Comment

  1. Fiz uma leitura um tanto rápida do texto, todavia, achei deveras interessante e pertinente a relação entre os casos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *