Arte e Cultura

KRAKATOA (535 DC): TREVAS, FOME E ASCETISMO-V

(E surgiu um grande PAPA: GREGÓRIO “O GRANDE”!)

Márcio Amaral- vice-diretor IPUB

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NOTA: pesquisando a expressão “IDADE DAS TREVAS”, deparei-me com aquele que teria sido o maior de todos os desastres naturais, desde que há registros históricos: uma erupção/explosão do vulcão KRAKATOA (535 DC) que teria feito cobrir a luz do sol por cerca de 18 meses E provocado uma catástrofe de proporções inimagináveis. Tinha já conhecimento de uma outra acontecida em 1883 e dos seus efeitos, sentidos em todo o mundo. O documentário anexo mostra com clareza a dimensão dessa última catástrofe: uma CALDEIRA de 8km de diâmetro entre as ilhas que permaneceram depois do afundamento da ILHA/VULCÃO. Investigações mais recentes (aplicando imagens de satélite) demonstram que a explosão de 535 deixou uma caldeira cerca de 10 vezes maior*. Além disso, durante esses eventos, são atiradas toneladas de dióxido de enxofre (que tem uma ação gravemente esterilizadora) na atmosfera . A fome que seguiu, generalizada e por décadas—sobre a qual há inúmeros registros—pode ter sido um fator determinante nas mudanças sociais e de relações que se seguiram . E então, vi-me obrigado e repensar completamente os possíveis fatores que levaram ao “IMPÉRIO DO ASCETISMO” a partir de GREGÓRIO I (590-604). O ascetismo não teria deixado de ser também uma CONQUISTA, no sentido do enfrentamento de uma situação tão grave, como vou tentar demonstrar abaixo.

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COMO FUNCIONA A TERRA-https://www.youtube.com/watch?v=RAUERnZombg

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Investigando a expressão “IDADE DAS TREVAS” e a apologia do ASCETISMO: abstinência ao prazer em geral, especialmente os de natureza sexual, pobreza, culto ao sofrimento, mortificação do corpo e privação que teria se iniciado com o pontificado de Gregório I (ver texto anterior),  deparei-me com essa expressão sendo usada por biólogos e geólogos para o ambiente que se seguiu à erupção/explosão citada. A confluência temporal praticamente me obrigou a procurar por associações entre: Krakatoa, Idade das Trevas, Gregório I e o ASCETISMO. Sem ter muito como investigar—os relatos históricos a respeito são poucos e parcos; é a geologia que tem “falado” mais a respeito— fui rever as resenhas de todos os pontificados a partir 537 DC. O método é fraco, mas deu resultados interessantes: verifiquei diversas referências a graves situações de fome generalizada, guerras e revoltas que se seguiram. Eu, que já havia associado o início da IDADE MÉDIA ao culto ao ASCETISMO e ao Papado de Gregório I (“O GRANDE”) vi reforçada a impressão, mas agora não mais como causa, antes como consequência. Não apenas Gregório I nasceu (540-604) sob o signo de uma “punição terrível”—uma espécie de “doença da Terra”, pois as sequelas foram inúmeras e duradouras—como viveu sob o peso de que toda a Terra (e a humanidade, é claro) estaria sob o jugo de alguma terrível punição cuja origem (“divina”) é fácil de imaginar. Mas pode ser também que um processo de esterilização da terra tenha sido lento, tornando mais difíceis as correlações causais. A partir daí, e considerando a hipótese, o esforço passa a ser: como explicar o processo mental que teria levado a humanidade a tornar perene e permanente (nas relações e atitudes humanas) as TREVAS que tinham EFETIVAMENTE coberto a Terra. Vejamos algumas das referências colhidas:

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1- “…a população vivia na maior das misérias. O Papa Vigílio (537) tentou enviar navios carregados de trigo a Roma, (estava em Constantinopla), mas foram capturados pelo inimigo…”. ; 

2- “...Papa Pelágio (545) distribuiu a sua fortuna privada em beneficio das vítimas da fome e esforçou-se para conseguir uma trégua junto do rei…“;
3-
 “Segundo o Liber Pontificalis (Papa Bento I-570): “…Em seu tempo a guerra trouxe a praga da fome: ‘houve tão grande miséria, que muitas fortalezas se renderam aos implacáveis bárbaros, só por um pouco de alimento…o Imp. Justino II fez mandar do Egito muitos navios carregados de trigo'”;

4- A partir de 542, a chamada “Praga de Justiniano” arrasou as províncias imperiais, provocando fome, pânico generalizado e revoltas populares. Em algumas regiões, até um terço da população morreu, provocando profundos traumas emocionais e espirituais nos sobreviventes..’

5-Quando Gregório tornou-se papa em 590, a Itália romana encontrava-se em ruínas…a cidade estava lotada com refugiados de todos os tipos, vivendo nas ruas sem nenhuma condição de saúde ou alimentação…”.

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COM DESCULPAS PELO MÉTODO

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O método pode não ser muito confiável, mas a leitura das resenhas de dezenas de pontificados entre 400 e 537 DC e entre 650 e 800 DC quase não fazem referência a miséria e fome. Além disso, há que inverter a equação causal de que a GUERRA teria causado a fome. Provavelmente foi o contrário. Tendemos a REDUZIR o desconhecido de maneira a caber nos limites do conhecido: a guerra é velha conhecida da humanidade, já o que se passou por lá parece ter sido muito para além de toda a humana capacidade de compreensão. Pobre JUSTINIANO! A tal “PRAGA” que leva seu nome deve ter tido bem outra origem. Não somente uma cepa da mesma bactéria (Yesinia Pestis) que, 800 anos depois, dizimaria populações inteiras na Europa (chamada peste negra). Afinal, conforme dizem pesquisadores que demonstraram a presença da bactéria nos dentes de corpos enterrados na época e imaginando hipóteses para o seu desaparecimento:“Outra possibilidade é a de que mudanças no clima tornaram o ambiente menos conveniente para a bactéria da peste sobreviver…”. Uma coisa é certa: a  I. Média e o FEUDALISMO se iniciaram e terminaram sob o signo de uma mesma peste e tenho a impressão de que tudo precisa ser revisto, agora à luz (e às trevas) do KRAKATOA.

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GREGÓRIO I: O ADMINISTRADOR E CONTADOR

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E então, eu que viera aqui para atacar “Gregório, o GRANDE” descubro que, ao lado de sua teologia promotora das sombras e trevas nos séculos que se seguiram, demonstrou ser também um homem extremamente prático, com enorme capacidade de organizar esforços para distribuir alimentos e minorar as dores do seu povo tão desvalido. Até uma esboço de contabilidade ele conseguiu executar nesse processo e no esforço de organizar as ações. Seu ASCETISMO, em verdade—em vez de ser algo gratuito ou como um fim nele mesmo—como se costuma pensar, teria sido inspirado pela extrema penúria em que a vivia a cristandade. De outros povos não temos muitas notícias. Ele chegava a dizer que não podia comer enquanto soubesse haver alguém que não podia fazê-lo. E eis que a investigação um pouco mais profunda (embora muito deficiente, reconheço) surgiu um grande homem: aquele que é capaz de encontrar (ou ajudar a encontrar) caminhos para as situações mais difíceis por que passa uma comunidade qualquer.

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POR QUE O SILÊNCIO ENORME…ALÉM DAS TREVAS?

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Curioso é que os livros de história não tenham dado àquele acontecimento o peso que teve, tanto no aspecto objetivo/concreto como nas relações humanas e na formação de julgamentos desde então. A NEGAÇÃO também é uma forma de comunicação, mas esse silêncio é de causar espanto. De minha parte, penso que pode ter sido tão opressivo; tão distante da experiência humana que não possibilitou sequer aquela narrativa que nos dá pelo menos uma ilusão de controle imprescindível à sua compreensão e assimilação. Mas o processo que levou ao empobrecimento da terra pode ter sido lento e as correlações impossíveis. Além disso, aquele teria sido um período extremamente pobre também do ponto de vista da arte e da literatura (W. Durant). Não é preciso ser discípulo de Jung para aceitar a possibilidade de certos acontecimentos marcarem tanto algumas comunidades—um espécie de “imprinting” como o ocorrido em certos animais—a ponto de determinar condutas; como que “IMPRIMINDO” certas modos de comportamento, mesmo depois de cessados seus efeitos diretos. É possível que a inércia seja muito mais intensa quando ligada somente ao subjetivo. A recuperação da natureza pode ser bem mais rápida do que a confiança humana nessa mesma natureza.

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FEUDALISMO: VINGANÇA CONTRA A NATUREZA?

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Uma coisa é certa: se houve um enorme sucesso alcançado pelo FEUDALISMO** (que se seguiu) foi seu domínio e “vitória” sobre a natureza e a consequente enorme PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: “…os camponeses da Europa…erguiam diques, derrubavam florestas, construíam canais e estradas…A Europa moderna é criação sua…Venceram a relutantemente bondosa natureza, erguendo nos alicerces econômicos de nossa vida…No começo da I. Média a maior parte do solo europeu não estava cultivada e suas terras eram florestas despovoadas e agrestes.No fim, todo o continente havia sido conquistado…a realização mais vital da IDADE DA FÉ (W. Durant “A IDADE DA FÉ”). Essa sanha de vingança contra a natureza, desde então, parece nunca acabar no ocidente. Será que precisaremos de outras tantas pragas e pestes para aprender? Sim, o ASCETISMO foi necessário à sobrevivência da humanidade por um longo tempo. Passados alguns séculos, ele mesmo parece ter se tornado uma ameaça a essa mesma humanidade. É a força da universal e invencível DIALÉTICA com seu choque permanente entre CONTRÁRIOS. Já em relação ao pensamento humano, somente com o advento da vida e obra de MONTAIGNE o ASCETISMO começaria a ser superado. É o que discutirei…se Deus ou a PROVIDÊNCIA permitirem.

…………..CONTINUA……..…….

*Para que se tenha uma ideia, a cratera provocado pelo asteroide que teria eliminado os dinossauros tem em torno de 200Km de diâmetro.
**A França foi o país no qual atingiu seu auge. Correspondia a uma “acordo” de produção, por parte dos servos e “proteção” (contra ataques de fora) pelos Barões. É fácil imaginar a pressão em que viviam os servos, mas os ataques de fora, ao que tudo indica eram mais ameaçadores. Interessante é reparar que os comerciantes e artesãos que tinham alguma riqueza começaram a clamar que o DIREITO PRIVADO fosse substituído por um poder central: dos Reis (W. Durant). Também por aquela época, um controle CENTRAL era visto como uma freio contra a mentalidade mais …”LIBERAL”.

***E em que sujeira viviam aqueles camponeses! Um dito da época  era que satanás os teria expulsado do inferno por não suportar o seu cheiro.

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