Arte e Cultura

MORTE NA LAGOA: SOMOS TODOS VÍTIMAS!

(Foi notável a dignidade e discrição com que a família encarou os fatos)
Márcio Amaral
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“Não pergunte por quem os sinos dobram! Eles dobram por você!” J. Donne
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A estúpida morte do médico Jaime Gold na Lagoa R. de Freitas abalou a todos. De minha parte, que não apenas sou médico e professor da UFRJ, como ciclista e passeio eventualmente por aquelas bandas, senti que poderia ter sido eu. Abordagens por parte de assaltantes muito jovens sempre me preocuparam mais do que outras possíveis. São inseguros e tendem a usar todos os instrumentos de que dispõem e a partir da mínima resistência. Eles mesmos têm muito medo, além de ódios e ressentimentos para com homens mais velhos. Houve muitas discussões a respeito e tive a impressão de que a sociedade e as redes sociais não se saíram muito mal na abordagem do acontecimento. Não vi muitas diatribes e discursos do tipo “Tem que matar e esfolar”. As pessoas comuns pareceram ter estado à altura da tragédia humana, pessoal, familiar, mas também social. A maioria pareceu sentir profundamente que TODOS, mais ou menos e de alguma forma, SOMOS RESPONSÁVEIS pelo acontecido. Talvez eu esteja “errado”… Melhor do que errar ao contrário. A humanidade saiu fortalecida. Foi a minha impressão e preciso compartilhá-la. Já os maiores RESPONSÁVEIS (aqueles que têm que responder por): as autoridades governamentais, que desastre!

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“Pezão”, que é lento e pesado para pensar e agir, pegou a desculpa que tem à mão e, aproveitando a discussão sobre a maioridade penal, “passou” o problema para Justiça…sem ter feito a sua parte: EXIGIR BOA INVESTIGAÇÃO E MEDIDAS PREVENTIVAS POR PARTE DE SEUS SUBORDINADOS. Quem escapa dos problemas não pode exercer poder público. Elementar. Mas Beltrame fez ainda pior. Disse: “Uma coisa dessas não pode acontecer num lugar como aquele que é um cartão postal e ponto turístico da cidade!”. Eu e você sabemos que eles pensam assim: que não têm muito apreço ou respeito pela vida das pessoas mais simples e pobres, mas daí a quase oficializar um tipo de “APARTHEID”, vai uma distância enorme. Que coisa feia Beltrame! Somente a polícia agiu rapidamente…rapidamente demais. Pareceu estar muito mais interessada em “dar uma resposta” à sociedade, AINDA QUE DUVIDOSA! Pareceu dizer: “Prendam os suspeitos de sempre!”. O maior inculpado, além de negar, diz ter um álibi com testemunhas. O que se apresentou pode estar criando uma situação para escapar da responsabilidade maior. Uma coisa é certa: A POLÍCIA PRECISA APRESENTAR AS PROVAS QUE TEM e isso não foi feito. Testemunhas (nem as há) e confissões são muito frágeis. 

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VIOLENTO POR NATUREZA?!

 Cartaz de um partido racista/direitista da  SuíCa
Cartaz de um partido racista/direitista da SuíCa

“Um anjo moreno, violento e bom..brasileiro…” (“Anjo da Guarda” M. Bandeira)
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Voltando à sociedade, quando vi o título do texto de uma certa Flávia Oliveira (24/5 O GLOBO) “VIOLENTO POR NATUREZA”, imaginei que aproveitavam o acontecimento para atacar nosso povo em geral e sua gente simples em particular.A clara sugestão era de que “certas pessoas não têm mesmo jeito”. Antes de ler o texto (que um amigo levara para mim), perguntei a todos os que me rodeavam (e que faziam coro com aquela conclusão obrigatória): “Você é violento? E Você? E você?”. Meus amigos ficaram um tanto atônitos e ou não responderam, ou disseram “Não”. “Uééé…Vocês não são brasileiros? Somos filhos chocadeira? Eu posso ser violento, na defesa de direitos!”. É curioso como tendemos a nos excluir quando falamos mal de nosso povo. Seria razoável, nessa situação, dizer “Eu não tenho nada a ver com isso? Isso não me diz respeito!”. Certamente NÃO. Lendo o texto, entretanto, vi que a matéria diferia muito daquilo que a manchete induzia concluir. Reproduzo abaixo o que escrevi a respeito no FACEBOOK.

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É principalmente uma espécie de resenha de todos os “ataques” que a cantada e decantada “simpatia dos brasileiros” tem sofrido por parte de múltiplos órgãos internacionais de investigação, em função dos últimos acontecimentos e outros dados estatísticos. De repente, de “super-simpáticos” passamos a “super-violentos”, como se essas características se excluíssem. Os gregos antigos são a prova do contrário. Como esses apologistas da docilidade, em quaisquer condições, são simplórios! SOMOS OS DOIS! Temos uma espécie de EXCESSO VITAL… com efeito colateral! Alguém já disse que nós representaríamos a herança grega nos tempos modernos e a própria tragédia grega implicava exatamente a conclusão da afirmação da vida (Nietzsche): não precisamos nos enganar de que tudo é certinho e harmonioso para amar a vida. Os dramas e tragédias, de alguma forma, até enriquecem a vida, pelo menos quando atingem uma expressão estética.

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Considerando a dessintonia entre a MANCHETE e o texto, podemos concluir que sua redatora sofreu um tipo muito especial de VIOLÊNCIA: a da EDITORIA do jornal. O espírito do texto é bem diferente da conclusão a que a manchete induz. Qualquer bom leitor há de antecipar, a partir do título: NOSSA VIOLÊNCIA NÃO TERIA SOLUÇÃO POIS ESTÁ NA NOSSA NATUREZA, como se fôssemos o escorpião da fábula. Quando, em verdade, a autora concluiu rogando que façamos um pacto pela vida. Quer me parecer, entretanto, que ela se esqueceu de falar das condições ESSENCIAIS para que se faça um pacto desse tipo: INCLUSÃO e JUSTIÇA SOCIAL, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, SERVIÇOS PÚBLICOS DE QUALIDADE e outras. De minha parte, digo que posso ser muito violento na defesa de direitos, nunca fisicamente ou voltado contra pessoas. Os muito dóceis são animais de rebanho e podem acabar em campos de concentração.

COMPLEMENTANDO, diz o poema de Bandeira: “Quando minha irmã morreu/(Devia ter sido assim)/Um anjo moreno, violento e bom…brasileiro/Veio ficar ao pé de mim/ O meu anjo da guarda sorriu/E voltou para junto do Senhor”.
Sua irmã tinha aquelas características, além de uma enorme generosidade e cuidou muito dele durante a sua doença. Morreu na gripe espanhola. Seu anjo, então, teria vindo proteger o irmão…até os 81 anos, apesar da tuberculose de que sofreu. Por fim, todos já ouviram falar na metáfora da ovelha negra. Pois bem, não há qualquer problema com a ovelha negra e as pessoas precisam olhar essa fábula a partir de um outro prisma. O mais notável é haver ali uma confissão: A EDUCAÇÃO OCIDENTAL VISA NOS TORNAR OVELHAS. De minha parte, e se a questão fosse: sejamos ovelhas! Eu preferiria ser aquela que destoa. No mínimo, haveria um pouquinho mais de diversidade e alguma esperança.
“Diz-se de um rio que é VIOLENTO
Mas nada se diz das margens que o comprimem”. B. Brecht
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Que me perdoem os parentes do colega falecido se me desviei demais do acontecimento. Sua morte, como sua vida, não foram absolutamente em vão.
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NO TEMPO DAS ARMAS

Márcio Amaral (a P. Cesar Pinheiro e seu “Nome das Favelas”)

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No tempo das armas
Vamos colher judiação
No ritmo bem marcado
Das mensageiras da morte
Que depois de disparado,
Muito ao contrário de um samba,
Não admite mais qualquer variação
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Por isso eu imploro
Total reconciliação
Antes que mudem o nome
Para Vila do Suplício
Quem sabe “Campo de Marte”
Ou até “Vila do Abate”
Da outrora aprazível Vila do João
………………………………………….(MAS)

Prá isso é preciso

Repartir melhor o nosso pão (OU)

Chora a mãe pobre e a rica

Antes gemesse a cuíca.

Se a mão não alimenta (ou acalenta) um filho

Um dia ele aperta o gatilho (E)

Acender as velas será sempre profissão.

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Lembrai-vos, Oh! Homens
De onde há de vir a salvação!     (Salmo 121)
Do alto, de sobre as montanhas, (Mas)
Não no ritmo marcado
Das mensageiras da morte.

Antes no bem sincopado

(Pleno de inspiração)

Convidando a andar lado a lado
De um samba e de um grande coração.

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