Arte e Cultura

O BARÃO E OS LAMENTOS DA “ELITE”

(LIMA BARRETO “VERSUS” R. BRANCO)

Márcio Amaral

Lima Barretofoto
Barão de Rio Branco

A propósito da conduta de nosso governo na crise paraguaia, e em um ataque à sua politica externa, O GLOBO—“A Trajetória Decadente do Itamaraty”, editorial (1/jul/12)—apresentou um verdadeiro panegírico do Barão do Rio Branco. Segundo os articulistas, nosso governo estaria cometendo “uma traição à herança deixada pelo Barão: José Maria da Silva Paranhos Junior“, nomeado assim, sem uma abreviação sequer. Coisa de nobre!
“O Itamaraty deixou-se levar  por interesses do nacional-populismo chavista (sem aspas) e turbinou uma crise…perdeu agenda própria…Tende a ser um Ministério qualquer (grifo meu), com rala visão estratégica…Nove anos de subordinação a um projeto político-partidário já tornam visíveis amplas fissuras nos alicerces de uma das mais refinadas expertises (sem aspas) da secular burocracia…”.

Quem sou eu, mero gentio, para falar mal de um Barão? Como, entretanto, há um outro gentio (seu contemporâneo) que muito respeito e que escreveu alguns artigos versando sobre aquela “herança”: Alfonso Henriques de Lima Barreto, achei por bem apresentar sua versão de alguns dos fatos que envolveram as práticas daquele mesmo Barão: “A Corte do Itamaraty” (obras completas, vol X-Editora brasiliense SP, 1956). Considerando a manutenção (pelo próprio) do título nobiliárquico obtido durante o Império, tudo faz pensar ter mesmo o Barão tentado reconstituir alguma corte em torno de si. É da indole da nobreza! Ou alguém acha ter sido aquele título utilizado em tom de galhofa como o fez o “BARÃO DE ITARARÉ*“? Sendo assim: para um nobre, nada mais natural do que uma corte. Foram feitos um para o outro.

“…Veio, porém, o Barão do Rio Branco e o vulgar palácio passou a ser um dos centros de nossa vida e irradiação de graças e privilégios…Vieram banquetes e recepções…R. Branco não se contentou com isso…organizou uma corte…Devagar, mansamente, o notável diplomata brasileiro pôs-se acima da lei, em tudo o que se relacionava a empregos.

…Quando sentia muito calor, mudava-se para Petrópolis, levando uma boa parte da secretaria, cujos funcionários seguiam-no tendo grossas gratificações. Assim, desafiando todas as leis, pondo-se acintosamente acima delas, o Barão mais parecia um “residente” de uma potência protetora do que um simples Ministro do presidente da Republica (grifo meu).…Não apresentar o relatório exigido pela Constituição é uma desobediência à lei; mudar uma repartição para um Estado vizinho é um absurdo; residir em um próprio nacional sem autorização é outro, etc.”

Considerando que, com alguma frequência, L. Barreto se deixa levar pelo ressentimento—como ao atacar o futebol, S. Dumont, etc.—talvez seja melhor deixar a pessoa do Barão de fora dessas críticas, centrando-a no mau uso que fazem da sua herança. É impossível, porém, negar a enorme antevisão de nosso grande escritor! Previu e acertou como o Barão seria usado por todos os elitistas do futuro: O GLOBO defendeu e repetiu a essência da crítica de L. Barreto, ao acusar o Itamaraty de estar agindo como “um Ministério qualquer”. Agora estão obrigados a dizer o que isso quer dizer e quais seriam esses “Ministérios quaisquer“: da Saúde? Da Educaçäo?).

A questão é muito simples: gostariam de fazer do Itamaraty uma espécie de reduto inexpugnável para uma certa corte que não se desfez de todo; uma “zona livre” da influência do poder de origem popular e conquistado através do sufrágio universal. Não aceitam sequer a Revolução Francesa: são pré-Iluministas. Se nossa politica externa não sofrer os efeitos desse governo, de quem haverá de sofrer? De uma “Câmara dos Lordes”? “Nove anos de subordinação…etc.”?! Se a política externa de um governo não é a ele subordinada, a quem haverá de ser? Que o Barão descanse em paz! Sabemos agora o que chamam de sua “Herança”. A sintonia de O GLOBO com ela é total**.

O referido jornal gosta de cultivar uma aura de refinamento—apenas um fino verniz—valendo-se palavras como “refinada”, “expertises”, etc. Por isso, deveria tomar mais cuidado com suas palavras quando dirigidas a um país irmão. Chamar o governo venezuelano de “nacional-populista” (em alusão ao nacional-socialismo nazista) é, no minimo, uma indelicadeza sem qualquer refinamento. Gostem ou não (e eu também não tenho qualquer simpatia por ele), Chavez ainda é um presidente eleito. Aliás, parece que essas mesmas elites se deram conta do seu “tiro no pé” na questão paraguaia. Desmoralizando seu Congresso e seu Presidente, ajudaram a remover o entrave artificial à entrada da VENEZUELA (não de Chavez) no MERCOSUL.

Ademais, do ponto de vista de nossa língua, valer-se de um “expertise“, sem aspas ou itálico, é de uma violência sem par. Não sou nenhum purista, mas é bom “ir devagar com o andor”. Aquela palavra, levada do latim (provavelmente através do francês), foi modificada, por “erro” inicial (transformado posteriormente em regra) de maneira a melhor se adaptar à “nova língua”. Contrabandeá-la de volta, violentando a nossa língua, é de uma subserviência inaceitável. Relaciona-se a esperteza, assim: com S e Z. Por isso, nossos dicionários não podem admitir aquela palavra com a grafia apresentada no jornal. Que se a continue usando entre aspas. É da ordem natural da coisas.

*Os nobres costumavam tirar seus nomes das batalhas nas quais tivessem se destacado (ou inventado uma estória a respeito). Itararé foi a batalha que não houve, durante a Revolução de 1930. Um outro Barão muito conhecido entre nós foi o “De Drumond”, associado, involuntariamente, ao “Jogo do Bicho”. Como se pode ver, não vamos muito bem de “Barões”.

**Por curiosa coincidência, o mesmo número do jornal trouxe um artigo daquele que é uma espécie de “príncipe das elites”, FHC: “As Classes Médias na Berlinda”, no qual se pode ver uma outra forma de expressão de preconceito contra a gente mais simples do povo. Será discutido em outro texto.

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