Arte e Cultura

“O GRANDE INQUISIDOR” E O PODER DOS FALSOS BISPOS-I

(DOSTOIÉVSKI dissecando as bases do uso da religião como instrumento de poder)

Márcio Amaral, vice diretor, IPUB

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NOTA: Respeitando totalmente o texto de “Grande Inquisidor” (cap. de “Os I. Karamazov”) fiz um esforço para torná-lo de mais fácil leitura: dividindo-o em partes, segundo a predominância do tema e eliminando algumas repetições. Nada substitui a leitura do texto completo. Trata-se de um poema projetado por um dos irmãos (Ivan). É bom observar que toda a formulação do INQUISIDOR se apoia na certeza da perversão e depravação insanáveis da humanidade.  A ascensão dos auto intitulados “BISPOS” (que conquistaram a Prefeitura do Rio) tornou atualíssima essa discussão. Os temas principais dos seus discursos, até mesmo os OFICIAIS, tinham sido como que dissecados pelo grande visionário russo há mais de 150 anos.

(1) “Vamos cuidar das pessoas” (discurso oficial);

(2) “Vamos VACINAR as pessoas da periferia!” (PROMESSA em jantar “privê” na V. Souto)

3) “Tomar a presidência para evangelizar todo o mundo” (publicação do “mentor espiritual” do prefeito eleito, Edir Macedo).

Com pequenas variações e aplicando alguns desdobramentos, foram as 3 TENTAÇÕES que o DIABO teria feito a CRISTO no deserto. Guardemo-nos! O “diabo” está mais vivo do que nunca.

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INTRODUÇÃO E APRESENTAÇÃO
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A ação se passa em Sevilha, no séc. XVI, época da mais terrível Inquisição. Não passava dia sem que ardessem fogueiras à glória de Deus! Jesus retornara à terra com uma aparência semelhante àquela com que costuma ser pintado. Apareceu docemente, sem fazer qualquer esforço para se fazer notar. Mas– coisa estranha– todos O reconheciam. E Ivan abre a descrição: “Seria uma das mais belas passagens de meu poema, explicar a razão disso. Atraído por uma força irresistível, o povo comprime-se à Sua passagem e segue-Lhe os passos. Silencioso, caminha Ele por entre a multidão com um sorriso de compaixão infinita…Naquele momento, passa pela praça o cardeal: o Grande Inquisidor. É um ancião quase nonagenário, de elevada estatura, de rosto dessecado, olhos cavados, mas onde brilha ainda uma centelha….Franze suas espessas sobrancelhas: de seus olhos faísca um clarão sinistro. Aponta Cristo com o dedo e ordena aos guardas que O prendam… Todos se inclinam até o chão como se fossem um só homem e o velho inquisidor os abençoa sem dizer palavra…”. Trata-se, em verdade de um monólogo no qual somente o inquisidor fala ao Cristo aprisionado.

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LIBERDADE?! QUE JESUS NÃO VENHA ATRAPALHAR!

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Dostoiévski em torno dos 40 anos
Dostoiévski em torno dos 40 anos

INQUISIDOR: “- És Tu, és Tu? — Não recebendo resposta, acrescenta rapidamente: — Não digas nada, cala-Te. Aliás, que poderias dizer? Sei demais. Não tens o direito deacrescentar uma só palavra ao que já disseste outrora. Por que vieste nos estorvar?…Não disseste bem muitas vezes: ‘Quero vos tornar livres’? Pois bem, viste-os: os homens livres– acrescenta o velho, com ar sarcástico…Foram-nos precisos quinze séculos de rude labor para instaurar a liberdade; mas está feito, e bem feito. Não o crês? Olhas-me com doçura, sem mesmo fazer-me a honra de Te indignares. Mas fica sabendo que jamais os homens se creram tão livres como agora, e, no entanto, a liberdade deles, foi depositada humildemente a nossos pés por eles mesmos …Revoltados podem ser felizes? Tu estavas advertido – diz-lhe o inquisidor–conselhos não Te faltaram (do diabo, segundo as TENTAÇÕES), mas não os levaste em conta, rejeitaste o único meio de proporcionar a felicidade aos homens…Seria possível imaginar algo de tão forte e de tão profundo como as três questões que Te propôs então o poderoso Espírito (Satanás)? Aquelas três questões provam, por si sós, sua relação com o Espírito eterno e absoluto e não com um espírito humano transitório. Porque resumem e predizem, ao mesmo tempo, toda a história ulterior da humanidade…vemos que tudo fora previsto naquelas três propostas e realizou-se a ponto de ser impossível acrescentar-lhes ou retirar-lhes uma só palavra….

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OS PÃES, A FOME, A SUBMISSÃO E A PERVERSÃO INEVITÁVEL

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Primeira Tentação (Jesus estava faminto) “Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães” (4:3).

Jesus– “Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede de Deus” (4:4).

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INQUISIDOR: “…Queres ir para o mundo de mãos vazias, pregando aos homens uma liberdade que a estupidez e a ignomínia naturais deles* os impedem de compreender; uma liberdade que lhes causa medo, porque não há e jamais houve nada de mais intolerável para o homem e para a sociedade?! Vês aquelas pedras naquele deserto árido? Muda-as em pão e atrás de Ti correrá a humanidade, como um rebanho dócil e reconhecido, tremendo, com receio de que Tua mão se retire e não tenham eles mais pão. Mas, Tu não quiseste privar o homem da liberdade e recusaste (a oferta do Diabo), estimando que ela (a LIBERDADE) era incompatível com a obediência comprada por meio de pães**. Replicaste que o homem não vive somente de pão; mas sabes que, em nome desse pão terrestre, o Espírito da terra se insurgirá contra Ti, lutará e Te vencerá, que todos o seguirão, gritando: ‘Quem é semelhante a esse animal? Ele nos deu o fogo do céu!’ E então, séculos se passarão e a humanidade proclamará pela boca de seus sábios e de seus intelectuais que não há crimes e, por conseguinte, não há pecado; só há famintos. Nutre-os e, só então, exige deles que sejam virtuosos! Tu terias podido poupar aos homens uma nova tentativa e mil anos de sofrimento…Nós os nutriremos, utilizando-nos falsamente de Teu nome, e os faremos crescer….Compreenderão por fim que a liberdade e pão da terra à vontade (para cada um) são inconciliáveis, porque jamais saberão reparti-lo entre si**!

……..CONTINUA….
*Nunca é demais repetir: a única justificativa “moral” para o diabo (até ele precisaria de uma) e seus seguidores modernos (segundo critério apresentado nas próprias escrituras e aqui reproduzido) seria essa “INSANÁVEL” perversão e egoísmo de cada ser humano. Há quem veja nisso a constatação de uma verdade embora careça, no mínimo, de comprovação. De minha parte, vejo ali apenas: “AQUILO EM QUE VOU INVESTIR e tirar proveito. E sempre que obtiver algum ‘reforço’ da hipótese, repetirei: ‘Eu não disse?!'”.
**É bem verdade que, em outro momento, Cristo teria MULTIPLICADO pães e peixes e tornado em vinho a água (nas Bodas de Caná)! Isso é muito diferente da proposta do diabo. Quando daquela multiplicação dos pães, Cristo teria cuidado para que todos juntassem as sobras e que não houvesse nenhum desperdício. E a repartição fora muito cuidadosa e harmônica. Essa não é a fala de um milagreiro. Estou convencido de que Sua presença “apenas” MULTIPLICAVA as forças dos homens e mulheres. Talvez tenha sido esse o milagre: ajudar a gente simples a se elevar acima dela mesma, tomando em suas mãos seus próprios valores.

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