Arte e Cultura

O PODER DA SOCIEDADE “VERSUS” DO CAPITAL PRIVADO!

(O que a Suécia de T. Erlander e O. Palme tem a ensinar ao mundo)

Márcio Amaral

“O capitalismo é um carneiro que precisa ser mantido bem tosquiado” (O. Palme*)

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tage erlander
Tage Erlander (PMin: 1946-69)

Toda a discussão relacionada à possibilidade e/ou necessidade da superação/extinção do CAPITALISMO está desviada de seu fulcro. Muitos falam do CAPITAL como se ele fosse, necessaria e historicamente, um mal. Parecem não ter lido bem o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, pois suas primeiras páginas são um reconhecimento do quanto o CAPITAL mobilizou forças insuspeitadas da humanidade e moveu o mundo como nunca. A sentença de Arquimedes: “Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo”, depois de muitos séculos, pareceu ter sido finalmente tornada possível com o motor a explosão e a exploração capitalista. Pagamos por isso até hoje: “A burguesia…foi a primeira a revelar o que pode realizar a atividade humana: criou maravilhas maiores do que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos e as catedrais góticas…as velhas indústrias nacionais foram destruídas e… suplantadas por novas, cuja introdução se torna vital para todas as nações civilizadas…” (Manifesto, Marx/Engels, 1948). É verdade que o mesmo Karl Marx afirmou em “Das Kapital”“O capital nasce pingando sangue por todos os poros”.

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Olol Palme (1969-76 e 1982-86)

Quem está acompanhando os grandes desastres dos últimos anos: incêndio e desabamento de prédios em Bangladesh (milhares de mortos), onde as grandes marcas promovem trabalho escravo, mas também o afundamento do navio coreano (excesso de carga quando, em verdade, as crianças eram a carga; a prioridade estava nos porões); a explosão na mina turca e seus 300 mortos (depois que seu dono conseguiu diminuir os custos de produção para menos da metade), sabe que o CAPITAL continua a pingar sangue por todos os seus poros. E assim há de continuar, enquanto as sociedades não o controlarem com “mão de ferro”. O maior de todos esses desastres (aliás, plenamente EVITÁVEIS) está completando 30 anos: a Union Carbide, em 1984 (Bhopal-Índia) deixou vazar 40 ton de gases muito tóxicos (isocianato de metila e o hidrocianeto) que mataram, de imediato, cerca de 3000 pessoas e deixaram 150.000 pessoas mais ou menos seriamente afetadas. Quem está se lembrando do acontecimento? As pessoas não valem muito para essa gente que só se preocupa com números. São supérfluas e tudo há que ser feito apenas em função da tal COMPETITIVIDADE. Está no DNA do capitalismo.

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ABOLIR O CAPITALISMO; DAR UM NOVO DESTINO AO CAPITAL!

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Mas, seria o CAPITAL, em si mesmo, o problema, ou apenas o O PODER  daqueles que o detêm (privado e através das EMPRESAS e “LOBBIES”), exercido sempre contra os direitos das SOCIEDADES? Pode algum país ser alavancado sem acumular, ele mesmo e de alguma forma, CAPITAL? Certamente que não. Considerando que modelos visando simplesmente a abolição do capital—anulando também as conquistas por ele promovidas no curso do tempo, como a tecnologia, transporte, ampliação de áreas de plantio e elevação de produtividade, etc.—não podem ser levadas muito a sério**, qual o caminho viável para que seja usado segundo os interesses dos seres humanos e não do próprio…CAPITAL…contra as sociedades? Desculpem-me, mas esse mais se parece com um “ovo de Colombo”. A bela sentença de O. Palme deveria sofrer apenas um pequeno ajuste: não é o CAPITALISMO que precisa ser mantido “bem tosquiado”, mas apenas o CAPITAL PRIVADO, seus lucros e inversões. O CAPITALISMO—o poder político/econômico de seus detentores—precisa mesmo é de ABOLIÇÃO.

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É bom que entendamos o que aqui vai dito: só podemos falar de CAPITALISMO quando, em uma sociedade qualquer, o CAPITAL PRIVADO é quem exerce o poder político/econômico; quando ele é a referência principal; quando o que há de maior importância nas comunidades é manipulado e executado em sua função e de seus interesses. Isso sim precisa ser ABOLIDO, e o mais rapididamente possível, para o bem da humanidade e do planeta. Já o CAPITAL, se estiver: controlado (o privado) ebem administrado (o pertencente à própria sociedade) pode ser um enorme bem. Disse um ecologista histórico (por volta dos anos 1970): no planeta e na natureza há um equilíbrio permanente em um jogo de forças e contraforças. Nada cresce desmesuradamente e sem limites. As duas únicas exceções são o CÂNCER e oCAPITALISMO. Eu complementaria: o capitalismo é o câncer do planeta, poise os dois podem matar os organismos que os sustentam. Assim, “Ou o planeta acaba com o capitalismo ou o capitalismo há de acabar com o planeta” (Adaptado de M. Lobato, sobre a saúva e o Brasil).

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E A SUÉCIA (de ERLANDER e PALME) O QUE TEM A NOS ENSINAR?

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E por que a Suécia teria, então, tanto a ensinar ao mundo? Porque em nenhum outro país desenvolvido o poder da sociedade é tão grande e limitador do poder do capital, embora algumas escaramuças do atual governo sueco (de direita) venham tentando ferir seriamente os interesses da sociedade em função dos interesses do capital: um grande esforço para baixar os impostos e um projeto imobiliário, que quase foi levado a efeito, bloqueando a visão de uma bela pedreira no centro (Slussen), voltado para o mar e as ilhas. Não duvidemos: apesar do quanto são antipáticos, os IMPOSTOS são a marca da relação poder/despoder nessa disputa entreSOCIEDADES e o CAPITAL. Por tudo isso, há que abandonar, e de uma vez, a expressão “CARGA TRIBUTÁRIA”! Ela tem sua inspiração nos interesses das EMPRESAS e a eles é dirigida. Nossa libertação começa pela mudança da linguagem. Carga para quem, “cara pálida”? Somente para elas mesmas, pois para a sociedade é apenas uma condição para realização das boas POLÍTICAS PÚBLICAS. O que chamam CARGA nada mais é do que o produto daquela “TOSQUIA” em função da sociedade de que falou OLOF PALME. Logo dirão que a sociedade é uma carga para o capital.

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Talvez não seja de todo ocioso opor os dois extremos possíveis na relação entre esses DOIS PODERES:

1- “ESTADO MÍNIMO”– também pode ser chamado INDIGENTE ou PEDINTE: aquele que se contenta com o que “cai da mesa” dos CAPITALISTAS. Nesse caso, a sociedade se encontra de joelhos e os investimentos sociais advindos da atividade econômica são apenas os imprescindíveis para manter a atividade econômica em crescimento.

2- “ESTADO DE TOSQUIA MÁXIMA DO CAPITAL”– Haveria, nesse caso, duas referências: a-o interesse social; b-manutenção do crescimento econômico. Nesse jogo de forças, um limitaria o outro: o crescimento não seria um fim em si, mas um objetivo determinado pelo interesse social. Já o interesse social não avançaria a ponto de dificultar ou impedir o crescimento econômico.

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Na década de 1930, quando todo o ocidente deu uma guinada para regimes de DIREITA, a Suécia foi a única a eleger seguidos governos social-democratas que, desde então, implantaram suas políticas voltadas primordialmente ao interesse social. Mais do que isso, assumiram, depois da guerra (talvez até como uma forma de se redimir dos vexames que protagonizou ao se omitir e permitir até a passagem de tropas nazistas por seu território) um papel proeminente no mundo, enfrentando os regimes de exceção como o da África do Sul e o de Pinochet. Hoje, os defensores dos interesses da sociedade “versus” os do capital vivem um dilema***. Partindo do princípio de que o Estado não é bom na produção de bens, mercadorias e certos tipos de serviço: há que conviver com algum capital privado e com os capitães de indústria; todos muito bem domados e…tosquiados, é claro. Melhor seria que tivessem uma consciência social expressa de maneira menos hipócrita e não baseada na caridade e doações que apenas renovam um sentimento de superioridade de uns e humilhação de outros.

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O Jovem K. Marx

Nessa luta permanente, a sociedade brasileira obteve duas vitórias significativas recentemente contra os capitalistas: a neutralidade da INTERNET e a proibição da “contribuição” de empresas para as campanhas eleitorais. Há muitas escaramuças a serem realizadas, e as vitórias não serão de uma vez, acontecendo somente na medida em que aos membros da sociedade se conscientizem do seu papel e dos seus interesses. Há que proibir também que se façam “lobbies” e todo tipo de “parcerias” entre o Estado e a iniciativa privada. Os “lobbies” são o instrumento da intromissão direta dos interesses do capital naquele que deveria ser uma espécie de “templo no qual se louvam e discutem os interesses maiores da sociedade”: o parlamento. É essa intromissão que o corrompe. Que o Estado contrate serviços que não pode realizarmomentaneamente e que controle duramente sua realização. Apenas isso. O uso da palavra “PARCERIA” é SEMPRE a senha para a exploração e roubo travestidos em virtude.

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(CONTINUA)

*Foi assassinado e nunca descobriram os mandantes/executores. Em torno desse e de outros atentados nunca de todo desvendados (os Kennedy, Luther King e outros), cunhei uma máxima: quando o aparato de segurança não os desvenda, seus autores são…membros desse mesmo aparato.

**Que não há caminho para trás, e que as sociedades não aceitam um “sacrifício” de certos “avanços capitalistas”, talvez seja ilustrado pela derrota da social-democracia sueca nas últimas eleições. Seu dilema talvez seja demonstrar que é possível preservar o crescimento econômico elevando o poder/controle da sociedade sobre o capital.

***O Min. da Educação sueco implementou, recentemente, uma medida desastrosa e que fere um princípio basilar da sociedade (a relação escola/moradia): as crianças dos bairros de imigrantes que obtiverem boas notas serão aceitas em escolas de outras localidades. Foi uma espécie de versão da direita sueca para o “sonho americano”. Através dessa cooptação disfarçada de “meritocracia”: 1-desorganizam a estrutura das localidades, atirando uns contra os outros; 2-enviam mensagem de que as escolas dos locais são e continuarão a ser as piores (“É o que merecem!”); 3-lançam a pecha de incapazes sobre os que lá ficaram; 4-oficializam a separação e os “não-direitos” dos imigrantes, pois a medida não seria aplicada aos “suecos de origem”. Eis uma medida altamente perigosa!

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