Arte e Cultura

A “PATRULHA ORTOGRÁFICA” E SEUS PERIGOS !

(Instrumentos de BELEZA e CLAREZA ou de TORTURA MORAL?)

Márcio Amaral, vice-diretor IPUB

Mário de Andrade nasceu em São Paulo, cidade onde morou durante quase toda a vida no número 320 da Rua Aurora, onde seus pais, Carlos Augusto de Andrade e Maria …

NOTA: em texto divulgado no “UFRJ SEM CENSURA”, citei STENDHAL chamando uma fala de “Um tiro em um conSerto”. Minha filha, formada em Letras na UFRJ e professora, arrepiou-se e debochou de mim (mandando que eu o consertasse)…Logo eu que vou a CONCERTOS desde a adolescência e que já até debochei desse erro em outros!! Em um primeiro momento, quando cometo um erro desse tipo, sofro terrivelmente (não foi o primeiro e tenho uma lista que “visito” com frequência). Depois, acabo incorporando e trabalhando com aquilo, sempre fiel ao fato de que um erro é também uma abertura de caminho para investigação. Arrematei com uma brincadeira: “Não TIRO nem CONSERTO!”…ESTÁ LÁ!

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Nesse tema vão me interessar principalmente: a língua como instrumento de comunicação (sempre em busca da beleza) e o efeito psicológico esterilizante derivado do pavor de escrever “errado”. Que o tema específico seja entregue a nossos colegas das F. de Letras. Assim que foi criado o grupo no FACE voltado as Profs da UFRJ, uma de nossas colegas deixou de usar uma CRASE onde ela se impunha. Outra assinalou o erro e o mal estar se instalou: ambas, depois de uma discussão desagradável não publicaram mais nada por lá. É o que chamo: as regras tornadas instrumentos de tortura, aniquilando a criatividade. Uma espécie de “DAMA DE FERRO” usada contra a comunicação humana. Conheço bem 2 pessoas que são verdadeiros “torturadores ortográficos”: não cometem “erros” e não perdoam os “erros” dos outros. Mas… de que falta de imaginação sofrem em suas “produções”! Apenas a ORTOGRAFIA e a GRAMÁTICA usadas como chicotes morais….

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Em princípio, a aplicação endurecida das regras corresponde a um engessamento “muito racional” de todo o material, tornando-o estéril, como tudo o que é excessivamente racional (vide a esterilidade da LÓGICA: “A Razão é luz…mas não é fogo” Espinosa). Costumo dizer: se não fossem os “erros”, estaríamos falando latim até hoje…quer dizer…uma ELITE pernóstica, pois seguir aquelas regras era impossível para a gente do povo. Correspondiam também a um aprisionamento das mentes*. Assim, deixei de me referir a CERTO e ERRADO, na vida e em geral, especialmente no que se refere à língua. Em relação a elas tudo são CONVENÇÕES: mutáveis por definição e natureza; um ERRO nada mais é do que a abertura de um novo caminho de investigação. Dou um exemplo: fui casado com uma sueca que falava bastante bem o português e sempre se referia àquele aparelho irritante usado para nos acordar como o “ESPERTADOR”… Estranhamento inicial e deboche, é claro. Logo depois, porém, uma intuição esclarecedora: o que o aparelho faz é “tornar esperto”, não é mesmo? Como, entretanto, é associado a algo NEGATIVO, tivemos que colocar ali um prefixo…NEGATIVO: “DES”**. Assim, ficou o DESPERTADOR. Dizia ela também “me monstra (tal coisa assim…assim!)”: mais deboche e…investigação. Afinal, dizemos DEMONSTRAR, não é mesmo? Mas nem nos damos conta disso. Então, aquele “N” parece ter obedecido APENAS à estética fonética, pois felizmente não existe feminino para “MONSTRO”.

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TUDO À PROCURA DA BELEZA

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E então está preparado o caminho para o entendimento do bom efeito que as regras podem ter, desde que estejam sempre à procura da BELEZA. Diga-se de passagem, sempre em evolução e sem respeitar protocolos meramente formais; podendo incorporar até mesmo o aparentemente grotesco (vide o primeiro olhar sobre “GUERNICA”). Assim, bem vindas as REGRAS…flexíveis e mutáveis! Aquelas que se curvam ao BELO e à EXPRESSÃO humana, sem pedir qualquer LICENÇA a ninguém, especialmente as “poéticas”…essa concessão hipócrita (e provisória) da RAZÃO quase ofendida! Afinal, a poesia não precisa pedir licença a ninguém. “Eu só faço poesia quando ela, A POESIA, quer.(M. Bandeira). Como, porém, a mente humana é REDUCIONISTA por natureza—costumando ser escrava da formalidade—os julgamentos dos contemporâneos sobre as obras de arte são muito falhos…por natureza! A exceção é Baudelaire: “Quem ele disse que ficaria, ficou; quem disse que desapareceria, desapareceu.” (também M. Bandeira).

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TRÊS VERTENTES BÁSICAS DO PENSAMENTO

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O mesmo C. Baudelaire escreveu, certa vez, que o pensamento humano segue 3 grandes vertentes de investigação e prioridade (inspirado no poeta alemão F. Schiller): 1-MORAL-JUSTIÇA; 2-VERDADE-CIÊNCIA; 3-ESTÉTICA-BELEZA. O primeiro interessaria mais a juristas, políticos (no melhor sentido da palavra) e “reformadores sociais” (sempre muito perigosos); o segundo aos cientistas e pesquisadores, em geral; o terceiro, aos artistas. Difícil dizer qual deles seria “o mais importante”, mas os 2 artistas (F. Schiller e Baudelaire) têm um critério muito convincente para defender como sendo o terceiro: não somente a natureza (basta observar os animais) procura permanentemente pela BELEZA (e harmonia), como, ao enveredarmos por seus caminhos, preparamo-nos para nos encontrar com os outros 2: a tolerância e aceitação dos diferentes e o prazer pelo conhecimento científico. Até porque, é aquela em torno da qual se expressam as sociedades, através as suas artes: cada uma com sua CULTURA.

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A VIDA À PROCURA DO BELO E DA ESTÉTICA

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Na disputa entre os jovens de OXFORD e os mais conservadores de CAMBRIDGE para encontrar a conformação espacial do DNA (depois da sua composição química ter sido estabelecida), foram levantadas algumas dezenas de possibilidades. Enquanto em Cambridge os pesquisadores foram tomando cada fórmula ao acaso para teste individual, em OXFORD Watson e Crick foram diretamente à que conhecemos…bingo! Depois do resultado, disseram eles: “Era bela demais para não ser a verdadeira”. A natureza (quem sabe também Deus?) não perderia aquela “oportunidade”. A. Gaudi também adorava o HELOCOIDAL e conseguiu dar uma dimensão moral (no mais elevado sentido da palavra) à arquitetura. Nossa própria evolução pessoal também se daria segundo um movimento helicoidal: vamos passando por aparentes “fases” (como se voltássemos sempre), mas, em verdade, estaríamos um pouco acima ou abaixo.

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NOSSOS “DUENDES” INTERNOS: O ERRO COMO AFIRMAÇÃO!

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Em certo momento da sua vida, M. de Andrade começou a escrever “como falamos”. Era uma forma de protesto contra as regras ditas “cultas” (quase sempre esterilizantes, como já dito), mas poderia ter uma outra finalidade: diminuir essa tortura em que todos vivemos com o medo de errar. Vindos de um homem como ele, os “erros” poderiam se tornar uma nova tábua de valores e até levar a modificações posteriores das tais regras (já acontecido). Aprofundando a tese: o cumprimento estrito das regras; o pavor da sua infringência e o deboche dos eventuais erros têm criado uma nova e mesquinha “elite”. Quem fica aprisionado a regras nunca alça voos criativos! Eis uma quase LEI. Sim a arte, especialmente a poesia, implica conseguir dar uma forma aos conteúdos. Essa é a base da ESTÉTICA. Mas a arte precisa de FORMAS e não de “FÔRMAS”. Assim, que nossos “duendes internos” continuem a nos pregar peças e nós que aprendamos a ouvir o que têm a nos dizer. Sendo assim, e especialmente no FACEBOOK qualquer correção, deboche ou comentário ortográfico deveria ser passível de multa.

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*As elites alemães engessaram sua língua a ela aplicando muitas das regras latinas e há quem diga ter sido isso um instrumento fortíssimo de dominação sobre a gente do seu povo. E que distância havia (e há) entre os intelectuais alemães (exceto os músicos, talvez) e seu povo! Quantos horrores decorrentes!

**Se há algo que caracteriza nossos grandes poetas modernistas é a procura (e encontro) pela expressão popular original. “Estou triste, estou triste/Estou DESINFELIZ/Oh maninha…Oh maninha!/Te ofereço com muita vergonha/Um presente de pobre/Esses versos que fiz/Oh maninha, Oh maninha/ Estou triste..estou triste/Estou DESINFELIZ” (M. Bandeira)

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