Arte e Cultura

“REVEILLON”: ESTADO POLICIAL FEZ VÍTIMAS DIRETAS

(Um jogo de muitos erros: e o povo pagou pelas balas que levou)

reveilon copaMárcio Amaral: vice-diretor IPUB-UFRJ

……………………

Há muitas décadas, vou à praia de Copacabana no “reveillon” e declaro: nunca assisti a incidentes mais sérios relacionados à festa propriamente dita. Dessa vez as coisas estavam tão calmas, mas tão calmas, que nem bêbados inconvenientes eu vi. Confesso que até senti falta deles. Gente de todas as idades e um enorme congraçamento de multidão!!! No dia seguinte, a notícia: 12 baleados, exatamente no local de maior concentração de pessoas. Comentaram logo alguns: “É por isso que eu não vou a essas coisas, etc.“! Pois eu afirmo que uma série de erros grosseiros das autoridades, inspiradas em uma mentalidade que toma o aparelho policial como referência e “personagem principal” dos acontecimentos envolvendo multidões, está colocando em risco um dos nossos maiores patrimônios culturais: a capacidade de nosso povo de se reunir em espaços abertos, com alegria e sem provocar maiores problemas e acidentes. Essa é a vítima indireta e garantida: sob o clima do poder policial, todos perdemos a sensação de que a cidade nos pertence. As praças nunca mais serão do povo, embora o céu continue a ser do condor.

…………………….

Vejam os grandes acidentes que mais provocaram mortes entre nós, o circo em Niterói e a boate em S. Maria (RGS): todos devidos a uma associação entre a exploração predatória de empresários sem escrúpulos com a venalidade de autoridades corruptas e incompetentes. Enquanto isso, seja no carnaval de Recife, seja no Círio de Nazareth do Pará, seja no “Reveillon” de Copacabana….nenhum problema mais grave!! Já no carnaval do ano passado, desfile do Cordão do B. Preta-2013, as autoridades quase provocaram as primeiras mortes por esmagamento de pessoas. Postaram seus automóveis exatamente no meio da A. Rio Branco, “protegendo” torres de filmagem de uma certa rede de TV e isso quase causou a catástrofe. O velho “jeitinho brasileiro” conseguiu resolver o problema e ninguém se machucou seriamente: os mais fortes colocaram os mais frágeis (mulheres e crianças) sobre os carros enquanto se desviavam, eles mesmos, dos obstáculos que atrapalhavam e ameaçavam o desfile a serviço de interesses nem um pouco públicos. Que a polícia deixe de ser o problema e exerça seu possível nobre papel com mais cuidado.

…………………………

cordao do bola pretaÉ evidente que concentrações de pessoas como essas precisam de alguma ordenação e policiamento. O que se tem visto nos últimos anos, entretanto, é um aparato hipertrofiado e que ameaça a própria festa em si mesma. Aqueles, dentre os que vivem nas zonas mais abastadas, que não se preocupavam muito com o ESTADO POLICIAL já instalado nas “comunidades” há muito, viram que ele “desceu para o asfalto”: a mesma polícia que se “exercitou” e “formou”, reconhecendo aglomerações como sempre perigosas nas favelas, “aprendeu” que elas são….sempre perigosas. Por isso, e embora tentando esconder suas verdades mais profundas (sob o fino verniz de um polimento muito artificial), trouxeram as mesmas consequências para o centro da nossa maior festa. Diante de 2 situações nas quais vi (e fiz o registro na hora) policiais cometendo irregularidades, ouvi de volta: “Quer usar o colete?!”*. Parece ser o “mantra” que aprenderam com seus chefes. E como é reveladora essa frase!!! BASTA USAR O COLETE PARA SABER DE TUDO E TER TODO O PODER! Isso implica tornar o ARBÍTRIO A REGRA. EIS O ESTADO POLICIAL INSTALADO! O risco que, um dia, corremos com a ditadura está de volta e em nova e “modernosa” roupagem. Todo o poder ao policial da esquina, como temia Sobral Pinto, está de volta. Eis uma das mais importantes questões culturais a ser enfrentada no momento. Mas…VAMOS AOS ERROS GROSSEIROS DAS AUTORIDADES!

…………………………

1- Para que uma arma dê segurança e não se transforme em uma ameaça, é imprescindível que aquele que a tem seu coldre esteja protegido (não acessível) a grupos de pessoas. Nos presídios só quem usa arma é quem está em guaritas ou de guarda sobre os muros. Em multidões é impossível garantir esse cuidado.

2- Em meio a multidões não se sacam armas (policiais mais responsáveis), especialmente quando o outro está desarmado.

3- Se sacam armas, ficam a uma distância segura. Deixar sua arma ser tomada é uma das maiores vergonhas para um policial. E era um tenente-coronel!!

4- Tendo o outro tomado a arma (e junto à multidão), não se entram em tiroteios, apenas em esforços de imobilização imediata.

5- Se dois policiais são incapazes de imobilizar um homem que bate em mulher (segundo a denúncia), alguma coisa está muito errada. Em princípio, não se tratava de nenhum criminoso (Calma, muito prezadas mulheres!) contumaz, até aquele momento pelo menos. Ou seja, bastaria uma intervenção com palavras duras e a uma certa distância.

6- Feito isso, e com toda a certeza, os populares teriam acorrido para ajudar aos policiais tratando-os como heróis. Agora, recentemente, a TV mostrou um vídeo no qual populares impediram um homem de bater em uma mulher. É verdade que quase o lincharam. Que horror!

Não! Eu não quero os coletes. Apenas tenho alguma vivência com essas situações, pois trabalhei por 11 anos em H. Penitenciário, tendo chegado ao posto mais previsto para um médico: Coord. de Saúde do DESIPE. Lá aprendíamos alguns princípios sobre o uso e o não uso de armas.

………………..

Show da Globo na Av. Paulista: explorando o espaço público para autodivulgação e propaganda
Show da Globo na Av. Paulista: explorando o espaço público para autodivulgação e propaganda

E depois de tudo isso, o que está fazendo a imprensa, especialmente “aquela Rede de TV”? Colocando (quase) toda a culpa no homem que “iniciou a briga” e que, se sobreviver, vai ser indiciado, etc. Quando muito, criticarão alguns policiais por “excesso de força e zelo”. Mas a discussão essencial: o ESTADO POLICIAL instalado, que inibe e ameaça as pessoas, quem haverá de discutir? A promiscuidade entre a TV Globo e as autoridades do Rio a impede de criticar. Onde foram parar os jornalistas dignos do nome? Os alegres (e mal pagos) “MUPPETS” que estão por aí não têm qualquer condição para isso. Mas podia ser bem pior! Em SP, a festa foi toda ela “global”. Até aqueles bastõezinhos com o seu logo eram agitados e batidos por milhares de pessoas. Que promiscuidade! É bem verdade que, em Copacabana, não abriram mão de tocar aquela musiquinha ridícula do “novo tempo que começou”. Na continuação, o governo federal fez propaganda de“Libra”; o prefeito do “muito ainda a fazer” e até um banco fez seu comercial. Parecia que estávamos em um intervalo na TV e aguardando o PLIN PLIN. Que falta de sensibilidade! Eu mesmo temi pelo meu espírito de confraternização. Entrariam o novo ano fazendo propaganda?! Foi quando o próprio povo começou a contagem regressiva, pois os organizadores deviam ter esquecido. Afinal, para eles, “tempo é dinheiro” e cada 30s custa muito!! Que gente suja!

…………………………

Mas bastou a animação dos anônimos à minha volta para que a esperança naquela gente boa se renovasse e eu me reencontrasse com o lirismo e a certeza de estar participando de algo grandioso, apesar dos que tentam tomar conta da festa. Nunca me esqueço de que sua origem é negra e uma criação dos umbandistas. Vi, na infância, muitos brancos para ela “torcendo o nariz” ereclamando de não poder ir à praia no dia seguinte, pois “estava cheia de velas”! Um dia pensei: “Estariam os herdeiros dos escravos indo louvar sua terra distante; cumprindo uma imposição de um inconsciente coletivo, chorando, dançando e cantando a África perdida? Mas eis que de repente, não mais que de repente, os poderosos descobriram o potencial lucrativo da festa e dela tomaram conta, expulsando os umbandistas, que agora têm que realizar seus rituais em “dias especiais” e bem antes de 31 de dez. Apenas mais uma violência contra a nossa cultura, em função de alguma “coisa mais global”. Todos esses direitos da gente mais simples ainda serão resgatados. Afinal, as jornadas de junho mostraram que, efetivamente, estamos em um NOVO TEMPO….só que “nada global”.

………………………..

* Durante o dia, protestando contra o fato de guardas terem colocado sobre a ciclovia dois carros batidos na Fig. Magalhães e, na volta da festa, quando os guardas não respeitaram sequer o sinal aberto para os pedestres, mandando os carros avançarem “lentamente”. Sua medidas eram sempre em função do interesse de motoristas, nunca dos pedestres. Não conhecem a beleza do nossoCódigo Nacional de Trânsito:

Art. 29-§ 2º-“Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas…os veículos de maior porte serão sempre RESPONSÁVEIS pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *