Arte e Cultura

SOLDADO TROCADO: UMA “PSICOSE QUIXOTESCA”!?

(De como está difícil a aceitação de alguma conduta mais humana nos EUA!)

Márcio Amaral

………………………………………………

soldado trocadoFicou muito nebulosa a situação da troca (por parte do governo americano) de um soldado aprisionado pelos Talibans por 5 inimigos confinados em Guantánamo. Deixando os “cães raivosos” republicanos de lado—aqueles que estão sempre “mordendo os calcanhares” de qualquer pessoa que tenta humanizar um pouco a política americana—o mais triste foi ver a reação de ex-combatentes que com o soldado tinham convivido: todos os que se pronunciaram o consideram um desertor. Suas informações, entretanto, sugerem fortemente ter ele sofrido de um episódio psicótico de feitio “quixotesco”. Aliás, essa suspeita é fruto de uma associação com uma conduta que documentei em minha atividade profissional: um paciente, sofrendo de Transtorno Bipolar do Humor e que, durante um episódio de grande exaltação maníaca, decidiu subir os morros que circundavam o prédio em que morava com o objetivo de reconciliar duas facções criminosas que lá atuavam. Não passou do primeiro contato. Recebeu alguns “corretivos” dos traficantes, mas não foi eliminado, provavelmente em função da sua evidente loucura.

……………………………………………………………………..

Segundo a história contada por alguns de seus colegas, Bowe teria abandonado suas armas no acampamento e saído apenas com um bloco de notas. Não foi dito se à noite—muito provavelmente, até para não ser visto por outros soldados—nem se ele saiu fardado (também muito provavelmente). Pergunto: seria isso uma deserção? Não faz qualquer sentido. Até onde poderia ir naquelas condições e sem qualquer tipo de apoio. Teria ido esperar um trem ou pedir carona? Uma coisa é certa: sua situação pessoal tornara-se insustentável. Nessas condições, alguns se suicidam (e têm morrido muito mais soldados americanos pelas próprias mãos do que pelas dos inimigos); outros adoecem fisicamente; tornam-se viciados em certas substâncias, enquanto muitos são “protegidos” por alguma forma de loucura. Aliás, acabo de pensar: é bem possível que ele tenha deixado o acampamento para adquirir ópio*. A investigar. Fiquemos com a loucura “quixotesca”! É mais poética e, mesmo que não se o caracterize plenamente, um eventual uso de ópio não deixaria de ser uma busca por interação com a cultura do lugar e, eventualmente, com os “inimigos da América”. Uma coisa é certa: houve uma boa dose de lirismo e humanidade no caso. Tentemos resgatá-la antes que seja enterrada por discursos patrióticos**!

…………………………………………………………………….

Os americanos e os correspondentes brasileiros (jornalistas da GLOBO NEWS), entretanto, parecem ter perdido as condições mínimas necessárias para que se olhe um pouco além do “círculo de fogo” que foi traçado à sua volta pela GMídia. Contentam-se com o “cercadinho de 5 lados pentagônicos”. Por que incluí os jornalistas brasileiros nessa lista? Vejam a cobertura de um dos melhores correspondentes globais, Jorge Pontual (com quem tenho em comum pelo menos o amor pela obra F. Schubert): “Foi uma grande vitória do Taliban! Foram tratados como combatentes e não como terroristas! Ganharam status…(até aqui, tudo bem)…Agora estão ‘cartando prá cima’ dos americanos; dizendo que são mal educados; que nem os cumprimentaram durante a troca…PODE?!” Pode sim, Pontual! Mas quem foi criado em play-grounds e nunca elevou seu olhar para além da mesquinhez da sua condição pequeno-burguesa; quem foi sempre um menino assíduo, pontual e obediente, não consegue entender outros códigos de outros povos….especialmente em situações extremas como as de uma guerra. Aliás, o código em questão: respeito e urbanidade entre combatentes, era universal… até que inventaram a “guerra-vídeogame”, totalmente impessoal e sem qualquer espaço para atitudes mais humanas e heroísmos.

……………………………………………………………………..

Para que se tenha uma ideia de como os norte-americanos estão pouco permeáveis a qualquer sentimento humano para além do patriotismo, vejam as palavras do seu Chefe do Estado-Maior Conjunto, general Martin Dempsey (Uol notícias, 6/6/14): “Como para qualquer americano, ele é inocente até que provemos o contrário”. Já para os “não-americanos” a posição é exatamente oposta. Vide Guantánamo: “American Über Alles!”. Dick Cheney não está mais no governo, mas seus princípios fizeram escola: “Se houver 1% de risco de alguém fazer algum mal a um americano, farei qualquer coisa para o impedir” (justificando a tortura e o descumprimento da Constituição). Eis a MORAL DO CÃO DE GUARDA: “se eu tiver a impressão de que alguém representa perigo para meus donos, vou morder seus calcanhares”. E a nação mais poderosa do mundo teve nesse senhor o mais poderoso vice-presidente da história (ver documentário sobre sua vida)! Ficou também evidente a correspondência obrigatória: foi vice daquele presidente que menos poder exerceu, G.W. Bush, um bobalhão na Casa Branca!

………………………………………………

ALEXANDER PUSHKIN (1799-1837)
ALEXANDER PUSHKIN (1799-1837)

Uma troca de prisioneiros é tão complexa, exige tanta negociação e até mesmo CONFIANÇA MÚTUA—de que não haverá traição de última hora, por exemplo***—que as pessoas acabam por interagir humanamente nessas situações. Não é preciso ter-se ido a uma guerra para aprender certos códigos estabelecidos entre combatentes que se respeitam. Quem leu os relatos de Leão Tolstói da guerra da Crimeia (onde lutou) ou a sua novela sobre um líder muçulmano, “KADJI MURAD“, personagem que viu nas lutas do povo checheno contra o invasor russo; ou ainda o belo “A Filha do Capitão” (de um outro grande russo, Alexander Puchkin sobre Pugachev um “rebelde” muçulmano contra o Czar) sabe o que isso representa. Uma das mais belas páginas da Primeira Guerra, aliás, foi a confraternização ocorrida no Natal de 1916 entre alemães e franceses, saídos de suas trincheiras ao arrepio de seus “superiores”. É lógico que esses tomaram logo providências para acabar com essas expressões “inconvenientes” de humanidade. A carnificina tinha que continuar, em nome de um patriotismo assassino e de interesses antihumanos. O que está acontecendo com os jornalistas do mundo? Que mediocridade foi essa que se abateu sobre a sua imensa maioria?

……………………………………………………………………………….

*Parece que os Talibans descobriram o poder que pode ter o ópio sobre os soldados invasores! Tolice é lhes atribuir a causa da desagregação nas tropas americanas, a exemplo do que também aconteceu no Vietnam. Basta que se olhem as taxas de suicídio entre os soldados americanos no Iraque (um recorde de 34 somente no mês de jun/2010; Ver blog de T. Insel) para que fique evidente ser essa desagregação um consequência natural da desumanidade das operações.

**Ah! O patriotismo…! Continua a ser o O ÚLTIMO REDUTO DOS CANALHAS, como bem o disse Stanley Kubrick.Para criticar o PT do Rio e sua eventual candidatura própria para governador, Eduardo Paz disse que eles “não são patriotas”. Conclusão obrigatória dessas palavras: “Dilma é a pátria…ou, (quem sabe?) a mãe da Pátria!”.

***Esquecem-se até de que o norte-americano é um invasor, sendo legítimos todos os esforços para sua expulsão. A GMidia chega a ser cínica quando a eles se refere como “REBELDES ou INSURGENTES”. Aqueles meninos são tão rebeldes!!! Já os jornalistas se tornaram tão bonzinhos!!
………………………………………………………………….

ME AJUUUUDA MOREEEEIRA! 
(Samba de breque: pastiche e plágio de uma mistura entre “O Rei do Gatilho” e “Morangueira Contra 007” de Moreira da Silva. Naquele tempo, havia espaço para algum lirismo nos filmes americanos)

……….

Você se lembra bem daquele telegrama

Que disparou sua assombrosa aventura? (hoje)

Não tem mais índio, nem cowboy, é só tortura

Que eles comandam sem sequer sair da cama…(pausa)

E agora têm apoio até dum tal de OBAMA!

Lembra também dos dois revólveres que atiravam,
Do braço firme e do punho que não treme?
Hoje eles matam como fosse um videogame.
Não encontramos justiceiro que nos vingue…(pausa)
O melhor mesmo é retornar ao estilingue.

A estátua deles anda um tanto encabulada,
E de vergonha, vai até baixar o braço

É tanto muro, tanta cerca…não encontra mais espaço.
Andou sonhando com alamedas só de álamos….(Perdão)….(pausa)

Mas essa foi a rima que arrumei para Guantánamo!
…………….
Ai, ai meu Deus eles se mudam em Robocop
E nessa farda desconhecem o semelhante.
Semelhante é o que acontece aqui com o BOPE
Nunca abandonam aquela cara de bode………….(pausa)
Depois reclamam quando um árabe se explode.

…………..

Ô, Ô my God, quem sabe “La Cardinale”, (A Cláudia)

Com ar materno, feminino e sensual,

Quebrava neles a fonte de todo mal

Com o poder dos seus “avantajados dotes”

Lhes sapecando um suave….beijo no cangote!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *